Uma base sólida com 10 eixos

Para entender o fenômeno da violência contra as juventudes é preciso levar em conta fatores relacionados ao contexto da violação, ao perfil das vítimas e à atuação do Estado e da sociedade diante do problema. Enfrentar essa realidade requer esforços integrados entre governos e sociedade civil, em âmbitos municipal, estadual e nacional.

Os dez eixos programáticos da plataforma política Juventudes contra Violência propõem ações para melhorar a vida dos/as jovens no Brasil, sob uma perspectiva anti-racista, anti-machista e anti-LGBTfóbica.

Democratização das comunicações

Direito à cidade

Enfrentamento ao genocídio da juventude negra

Fortalecimento da democracia participativa

Fortalecimento do sistema socioeducativo

Novo modelo de política sobre drogas

Novo modelo de segurança pública e desmilitarização das polícias

Orçamento público para juventudepolíticas sociais

conheça esses eixos:

Garantir às/aos jovens o acesso à justiça é condição para o enfrentamento à violência contra as juventudes no Brasil. Segundo definição do Ministério da Justiça, além de um direito humano, esse é um caminho para a redução da pobreza por meio da promoção da equidade econômica e social. Assim, onde não há amplo acesso a uma justiça efetiva e transparente, a democracia está em risco e o desenvolvimento sustentável não é possível. Apesar da caracterização avançada de acesso à justiça assumida pelo poder público brasileiro, é sabido que ainda convivemos com enormes desafios para efetivar esse direito.

De acordo com os dados da Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN, 2016), o Brasil é o terceiro país com mais presos no mundo, sendo 726.712 em 2016. Destes, 30% têm entre 18 e 24 anos, e 25% entre 25 e 29 anos. Os dados são semelhantes ao da pesquisa realizada em dezembro de 2015, que registrou 54% de presos com menos de 30 anos. O estudo revela também que a maioria são jovens negros/es/as, pobres e 88% dos presos não estão envolvidos em nenhuma atividade educacional e 85% estão alheios à dimensão do trabalho dentro e fora dos estabelecimentos penais no Brasil. Esse perfil evidencia que, para a maioria da população carcerária do país – jovem, pobre, negra e de periferia –, o acesso à justiça é sinônimo de cerceamento de liberdade por meio do sistema de justiça penal e de todo seu aparato repressivo, incluindo as polícias militares e civis. Agravantes disso são a morosidade do sistema e o excesso de decretos de prisão não fundamentados, considerando-se que as prisões provisórias contabilizavam cerca de 40% do total de presos. Essa realidade vai na contramão de uma justiça que contemple serviços de cuidado e segurança das pessoas, a cidadania e o fortalecimento da democracia, de acordo com o que preconiza o Ministério da Justiça: “a democratização do acesso à Justiça não pode ser confundida com a mera busca pela inclusão dos segmentos sociais ao processo judicial. Antes disso, cabe conferir condições para que a população tenha conhecimento e apropriação dos seus direitos fundamentais e sociais”.

Esse panorama evidencia que o acesso à justiça resumido à dimensão judicial torna-se seletivo, sendo que essa seletividade compreende dois elementos fundamentais: o perfil das pessoas normalmente criminalizadas e as condutas tipificadas como crime. No primeiro, temos uma opção política pelo encarceramento em massa, que invisibiliza problemas sociais como marginalidade, subemprego e falta de acesso a serviços sociais básicos, além de negligenciar fatores como raça, faixa etária e território. Segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a taxa de aprisionamento (número de presos por 100 mil habitantes) saltou de 306,2, em 2014, para 355,6, em 2016, sendo que o aumento da população carcerária considerando-se os últimos 25 anos passa 400%. Esse aumento, no entanto, não foi acompanhado da diminuição da violência e sugere, assim, que essa lógica repressiva não contribui para a sensação social de segurança. Persiste uma política de criminalização da pobreza, alimentada por um imaginário social que identifica jovens negros, pobres e moradores de periferias e favelas como “bandidos” em potencial.

No que diz respeito à tipificação dos crimes, segundo o relatório do INFOPEN (2016), os crimes de tráfico correspondem a 28% do total, considerando-se as pessoas privadas de liberdade condenadas ou que aguardam julgamento. Os crimes de roubo e furto representam 37% dos casos e os homicídios 11%. Entre os homens, os crimes ligados ao tráfico correspondem a 26% dos registros e entre as mulheres esse percentual sobre para 62%. Entre os homens privados de liberdade, os crimes de roubo e furto representam 38%, já entre as mulheres o percentual é de 20% (INFOPEN, 2016). Isso indica que a questão da criminalidade no país é profundamente relacionada à pobreza e à desigualdade social. Enquanto o roubo de um celular é criminalizado e pode gerar pena de prisão, por exemplo, práticas como sonegação fiscal, desvios de verba pública e o não cumprimento dos direitos trabalhistas por empregadores não estão sujeitos ao mesmo controle e repressão, ainda que sejam muito mais danosos socialmente. Assim, a definição do que é crime, a criminalização e o aumento da repressão estatal estão intimamente ligados à criminalização seletiva da população brasileira.

Outro fator que dificulta o acesso à justiça é a burocratização da máquina pública. A infraestrutura precária nas varas de execução penal, em especial o pouco investimento nas defensorias públicas e a falta de defensores prejudicam o acesso da população que não dispõe de meios financeiros para pagar pelos serviços de um advogado. Também podemos citar a integração incipiente entre as instituições que compõem o sistema de justiça; procedimentos excessivamente complexos e, por vezes, inacessíveis no âmbito da administração pública; parcos investimentos na resolução extrajudicial de conflitos passíveis de conciliação ou negociação amigável; falta de preparo das polícias em conduzir procedimentos e gerir conflitos de forma não agressiva, o que contribui para abordagens extremamente violentas.

Proposições

  • Investimento em medidas alternativas de resolução do conflito.
  • Tratamento mais racional e proporcional aos crimes de fundo patrimonial/econômico de baixa lesividade (como pequenos roubos sem violência), com redução de pena e de outras consequências jurídiciario
  • Descriminalização de condutas de fundo patrimonial/econômico de baixa lesividade ou que tenham sido realizadas sem violência ou grave ameaça a outras pessoas.
  • Descriminalização de condutas passíveis de tratamento por outros ramos do direito, como o direito civil e o direito administrativo.
  • Fortalecimento e ampliação de defensorias públicas.
  • Construção de uma política brasileira de Justiça Restaurativa e Inclusiva.
  • Instalação de assistência judiciária permanente em todos os estabelecimentos prisionais e em todos os centros de custódia privativa de liberdade de jovens em conflito com a lei.
  • Aplicação das garantias penais e processuais penais ao processo de apuração de atos infracionais, operacionalizado na Justiça de Infância e Juventude.
  • Reformulação dos elementos autorizativos de prisões cautelares e internações provisórias de adolescentes, limitando a hoje existente ampla liberdade dos juízes para decretar tais medidas.
  • Fim da revista vexatória e dos abusos contra pessoas que visitam familiares presos no sistema penitenciário brasileiro.

A comunicação é uma prática de produção e renovação de discursos. É em interação – no diálogo que estabelecemos uns com os outros – que são constituídos nossos entendimentos sobre o mundo, os pontos de vista que governam nossa atuação cidadã, nossa intervenção na vida cotidiana e nos diferentes espaços políticos. Dessa forma, ela é mais do que um processo de transmissão de informações: a comunicação é uma dinâmica coletiva de produção de sentidos, na qual a cultura e os discursos que configuram as identidades individuais e coletivas são construídos e atualizados. Daí a necessidade de democratizá-la.

A plena participação juvenil na vida cidadã depende da garantia de que esses agentes tomem parte na dinâmica comunicativa. Para tanto, eles devem ter acesso a informações plurais e de qualidade e, ao mesmo tempo, atuar como sujeitos de expressão, capazes de se fazer ouvir e de terem suas vozes consideradas no processo de discussão dos diferentes temas implicados na vida coletiva.

O direito à comunicação está previsto no artigo 26 do Estatuto da Juventude. Para assegurá-lo, é fundamental que poder público e sociedade civil se comprometam com a democratização das comunicações no país, de maneira a promover a liberdade de expressão para todos e todas e garantir a pluralidade de vozes no debate público. Além do Estatuto, outros marcos normativos incluem a comunicação no rol de direitos humanos básicos, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 19), da Constituição Federal (artigos 5, 21, 221, 222 e 223) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 16 e 124).

Como instância de construção de sentidos, a comunicação – em suas diferentes expressões, sobretudo a midiática – está no cerne das disputas simbólicas que marcam nossa sociedade, atravessada por lutas pela garantia de direitos, por respeito e por igualdade. Nesse processo, ela pode tanto estar a serviço dos discursos de transformação, quanto daqueles que justificam práticas discriminatórias e de exclusão. Essa luta simbólica, infelizmente, tem sido desigual no Brasil, uma vez que os recursos que a possibilitam estão distribuídos de forma extremamente desigual. Prova disso é a estrutura de propriedade altamente concentrada meios de radiodifusão (rádio e TV) e da própria internet, espaço no qual o tráfego de informações é mediado por grandes corporações, detentoras dos principais portais de notícias e plataformas de compartilhamento, como redes sociais, páginas de streaming e de difusão audiovisual, como o YouTube.

Estudo realizado no âmbito do projeto Monitoramento da Propriedade de Mídia (Mídia Ownership Monitor – MOM) desenvol, vido pela organização Repórteres sem Fronteira em 2017, demonstra que, no Brasil, políticos e lideranças partidárias estão à frente de importantes veículos de comunicação em diferentes estados, inclusive em Minas Gerais. Segundo o levantamento, 40 parlamentares (32 deputados e oito senadores) controlam direta ou indiretamente emissoras de TV e rádio, contrariando previsões expressas na Constituição Federal, que veda a prática. Ao mesmo tempo, o estudo destacou a massiva ocupação do espaço midiático por organizações religiosas, bem como o controle dos conglomerados de mídia por grupos econômicos que atuam também em outras áreas, como educação, agronegócio, indústria farmacêutica e o sistema financeiro, o que fortalece o poder dos grandes agentes econômicos na modelação dos diálogos públicos.

Mesmo com alguns avanços, como o recém-aprovado Marco Civil da Internet, o cenário das políticas de comunicação no país ainda é desolador. O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117), único instrumento legal que determina regras para grupos comerciais de rádio e TV, foi promulgado em 1962. A radiodifusão comunitária é regida por uma lei bastante rígida (Lei 9612), o que dificulta a criação e a sobrevivência de pequenas emissoras. Esse cenário é agravado ainda pela inércia do poder público na regulamentação e implantação de leis que garantam a construção de um espectro midiático mais democrático. Em 2009, por exemplo, após ampla mobilização da sociedade civil, foi realizado a I Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu diferentes órgãos do poder público e da sociedade civil na busca de soluções para o problema. Convocado pelo governo federal, o encontro gerou 641 propostas finais, sendo que poucas se converteram em ações efetivas por parte do Estado. Quase dez anos após o evento, o cenário continua substancialmente inalterado, o que demonstra o descaso como o desenvolvimento de políticas de comunicação democráticas.

O enfrentamento desse contexto desafiador, demanda a atuação articulada do poder público e da sociedade civil em diferentes frentes de atuação. Uma delas exige a retomada do debate, na esfera política formal, dos temas associados à ruptura da concentração da propriedade dos meios de radiodifusão e de comunicação digital.

Outro caminho, que corre em paralelo e em diálogo como o primeiro, exige que o Estado participe ativamente da correção dessas desigualdades por meio do investimento em projetos de fomento à expressão de grupos tradicionalmente alijados dos espaços de expressão midiática, como as mulheres, as populações negras, indígenas, quilombolas, das periferias e as juventudes. Cabe ao poder público, desse modo, atuar no sentido de fortalecer iniciativas populares de comunicação e expressão que promovam a visibilidade dos grupos juvenis, trazendo para as agendas públicas as suas experiências e demandas concretas, o que é condição para a cidadania. O apoio a projetos de comunicação popular, inclusive, está previsto Plano Nacional de Cultura, que traz entre suas metas e diretrizes a proposta de ampliar o exercício do direito humano à liberdade de fruição e de expressão cultural por meio do exercício do direito à comunicação. O que se deve buscar, nesse sentido, é ampliar as fronteiras da representatividade, abrindo espaço para que discursos alternativos – expressos por meio da arte e de ferramentas midiáticas como blogs, sites, vídeos, jornais populares,  entre outros – levem para a cena pública corpos, imagens e pontos de vista que frequentemente permanecem invisibilizados.

Ao mesmo tempo, é preciso avançar em relação ao fortalecimento de ações de educação para a mídia, importantes aliadas do desenvolvimento integral de adolescentes e jovens. Trata-se de um conjunto de métodos e práticas pedagógicas que têm por objetivo fortalecer a capacidade de leitura e avaliação crítica dos meios de comunicação e disseminar a formação para o uso das variadas ferramentas de comunicação, sobretudo àquelas associadas aos meios digitais e à internet.

Se a comunicação é prática coletiva de produção e renovação de sentidos, diversificar as vozes que ocupam a cena pública é indispensável para a consolidação da experiência democrática, que demanda participação concreta e efetiva representação do conjunto plural de vozes que compõe a vida coletiva na cidade e no país.

Proposições

  • Regulação da exibição de imagens e identificação do público infanto-juvenil nos meios de comunicação.
  • Defesa e fortalecimento da política de classificação indicativa, consolidada pela portaria 1220/2007, do Ministério da Justiça, e que estabelece faixas de horário para a programação televisiva em função do segmento etário. Esse apoio inclui o rechaço à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2404, que tramita desde 2001 no Supremo Tribunal Federal e visa a acabar com a penalização por descumprimento da vinculação horária.
  • Regulação da publicidade e do merchandising dirigidos a meninas e meninos e do trabalho infanto-juvenil nos meios de comunicação.
  • Fortalecimento das ouvidorias e de outros espaços de interlocução com o poder público, a fim de favorecer a transparência da gestão, e investimento em mecanismos de governo eletrônico (e-gov).
  • Suporte, em todas as instâncias de governo, à implementação da Lei de Acesso à Informação Pública (Lei 12527), em vigor desde 2012.
  • Estabelecimento de mecanismos democráticos e transparentes para o investimento em publicidade governamental nos meios de comunicação.
  • Investimento e fortalecimento de políticas de acesso público à internet, a exemplo dos telecentros, de maneira a contribuir para a universalização do acesso, como sugerido pelo Programa Nacional de Banda Larga.
  • Fomento às rádios comunitárias via fundos específicos para o setor e estímulo a outras atividades afins, por meio de editais públicos que financiem iniciativas na área de comunicação, especialmente por grupos e coletivos juvenis.
  • Garantir que práticas de educação para a mídia, que já são contempladas pelo macrocampo “educomunicação”, do Programa Mais Educação/Ministério da Educação, estejam contempladas nos currículos escolares.
  • Garantir e apoiar a implementação e/ou o funcionamento de Conselhos de Comunicação Social, já previstos em muitas constituições estaduais ou leis específicas em diferentes unidades da federação.

O direito à cidade, importante meio para a efetivação de outros direitos sociais básicos como saúde, cultura, mobilidade, educação e lazer, é fundamental para as juventudes. Os processos de formação des/as/os jovens como sujeitos de direitos e de desenvolvimento pleno da cidadania estão relacionados às vivências dos territórios com liberdade, segurança e garantia de acesso a serviços e equipamentos públicos. Publicado em 2013, o Estatuto da Juventude indica no artigo 31 que “o/a jovem tem direito ao território e à mobilidade, incluindo a promoção de políticas públicas de moradia, circulação e equipamentos públicos, no campo e na cidade.”

No entanto, o direito ao território e à mobilidade são dificilmente assegurados pelo poder público, visto que parcela considerável da juventude brasileira vive em espaços precários, e a circulação de muitos jovens pelos espaços públicos é marcada por segregações socioespaciais motivadas por preconceito e discriminações de gênero, classe social, raça, etnia, orientação sexual e território.

Segundo estudo da Fundação João Pinheiro (2018), sobre o déficit habitacional em 2015 no Brasil, revela que tal déficit corresponde a 6,355 milhões de domicílios, dos quais 5,572 milhões (ou 87,7%) estão localizados nas áreas urbanas e 783 mil unidades na área rural. Nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste o déficit habitacional nas áreas urbanas ultrapassa 90%, nas regiões Norte e Nordeste, o déficit habitacional rural apresenta muitos desafios no que se refere às condições  de precariedade das moradias, com domicílios improvisados e rústicos. Na região Norte o déficit corresponde a 21,8% e na região Nordeste a 26,8%. Minas Gerais é o segundo estado com maior déficit (atrás apenas de São Paulo), registrou, em 2015, 575 mil unidades. O estado da Bahia ocupa o terceiro lugar com um déficit de 461 mil unidades, sendo o quarto lugar ocupado pelo estado do Rio de Janeiro, com 460 mil unidades. O ônus excessivo com aluguel é uma das causas do grande peso relativo no déficit habitacional, sobretudo nas regiões metropolitanas e nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.  Em 2015, esse ônus representava 50% do total do déficit habitacional, a coabitação familiar 29,9%, as habitações precárias 14,8%, e o adensamento excessivo dos domicílios alugados 5,2%. Assim, a violação do direito à moradia atinge muitos jovens independente do contexto em que se encontram.

Tal realidade se relaciona ao favorecimento das empreiteiras, à falta de políticas de habitação e sobretudo à não efetivação do direito constitucional à moradia previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (Cap. I, art. 1º, par. Único). Embora a função social da propriedade  e da cidade esteja estabelecida constitucionalmente, é elevado o número de famílias que, não tendo garantido o direito à moradia, ocupam terrenos e imóveis que não cumprem essa função. Muitas dessas famílias sofrem com remoções forçadas, por estarem simplesmente reivindicando seu direito à moradia e a função social da propriedade. Grande parte dessa população que tem seu direito à cidade e à moradia violados é constituída por jovens, que estão iniciando sua construção familiar, mas não conseguem pagar para terem acesso à moradia adequada.

No que diz respeito às políticas específicas de mobilidade, o Estatuto da Juventude (2013) em seu artigo 3º aponta que os agentes públicos ou privados envolvidos com políticas públicas de juventude devem “garantir meios e equipamentos públicos que promovam o acesso à produção cultural, à prática esportiva, à mobilidade territorial e à fruição do tempo livre”. O Estatuto da Juventude determina ainda que sejam dispensados esforços conjuntos da União, Estados e Municípios para subsidiar o transporte da juventude. Os termos do subsídio, contudo, variam bastante. A porcentagem do desconto que é concedido (por meio de passe livre ou meio passe), o público atendido (estudantes das redes municipal, estadual e particular, de supletivos, cursos pré-vestibulares, universitários/as, etc.) e os critérios de preferência no atendimento (beneficiários/as de programas sociais, estudantes residentes a certa distância da instituição de ensino) não são levados em conta da mesma forma na legislação que trata do tema nas esferas estadual e municipal.

O que se mostra recorrente é a limitação na efetivação do direito. Muitas capitais (como Recife, Belo Horizonte e Cuiabá) associam o direito ao transporte público exclusivamente à condição de estudante – e não à de jovem, como previsto no Estatuto. Dessa forma, o desconto no preço da passagem é, em muitos dos casos, restrito aos dias letivos e ao trajeto de casa à escola. Jovens que estão fora da escola ou já concluíram os estudos não são levados em conta, assim como é negligenciada a importância da circulação urbana para outras atividades não relacionadas ao universo escolar.

Além disso, ainda que sejam beneficiados pelo desconto na tarifa, jovens (e os demais segmentos) que utilizam o transporte coletivo enfrentam cotidianamente problemas como longas filas de espera, falta de informação e clareza sobre itinerários e horários, ausência de manutenção e de renovação das frotas, superlotação dos ônibus e trens, assédios sexuais às mulheres e insegurança. Esse sucateamento é agravado pela orientação das políticas em torno do automóvel, como grandes obras viárias e políticas de redução de alíquotas de impostos para a compra de veículos. Cabe ressaltar a exclusão da juventude negra, pobre e moradora das periferias, que, ignorada por boa parte dos investimentos públicos em mobilidade, acaba sendo a parcela da juventude mais usurpada em seu direito ao território e à mobilidade.

O que está em jogo é o sentido atribuído aos territórios. Os agentes públicos conferem mais importância às obras e políticas que geram lucro (como rodovias e viadutos) do que ao fortalecimento das relações e às possibilidades de sociabilidade nas cidades, por meio do acesso a equipamentos públicos e de espaços de encontro, troca e produção de arte e cultura. É preciso deixar de considerar como naturais certas visões acerca das relações entre territórios e culturas juvenis. É comum ouvirmos frases do tipo “tem que tirar os jovens da rua” ou “a rua é perigosa”. No entanto, é necessário compreender que os territórios possuem uma dimensão socializadora para grande parte des/as/os jovens, que se apropriam das ruas e praças para encontros, interações afetivas ou mesmo como palco para a expressão da arte e cultura que elaboram.

É preciso destacar a segregação social, racial, de gênero e orientação sexual e a lógica de privilégios existentes na cidade, que tantas vezes favorece o centro e exclui as periferias, marcadas pela falta de espaços de lazer, equipamentos e serviços públicos. Deve-se mencionar também as formas de ocupação dos espaços urbanos peles/as/os jovens das periferias, que, além de desvalorizadas culturalmente, têm sido sistematicamente criminalizadas.

A atual gestão do território urbano associada à falta de investimentos nos espaços públicos e sua consequente privatização dificulta a ocupação e o usufruto das cidades. Apesar de públicos, alguns espaços ainda se mantém restritos ao acesso de alguns/algumas jovens (como foi o caso dos rolezinhos e circulação de grupos de jovens em shoppings em 2014). As restrições sinalizam para a preservação do patrimônio e permitem a utilização se respeitadas as diversas regras de comportamento e horários. Entretanto, algumas proibições são movidas por preconceitos e discriminação de gênero, raça ou classe social, tornando certos grupos e perfis de juventudes suspeitos, independentemente de qualquer ação. Assim, são excluídas todas as possibilidades de existirem no espaço público, tendo esses/as jovens seus direitos mais uma vez violados.

Em que pesem os processos de exclusão, es/as/os  jovens resistem ocupando diversos espaços públicos, transformando-os em territórios onde se encontram e se expressam por meio da música, da dança e do grafite, entre outras linguagens. Refletir sobre a relação entre a juventude e seus territórios é fundamental para compreender, respeitar e valorizar as culturas juvenis. As juventudes – jovens mulheres, juventude negra, juventude periférica, jovens artistas, juventude LGBTIQ+ etc. – ousam reinventar sua existência nos espaços públicos e, apesar do acesso precário a vários direitos, vão se apropriando e criando possibilidades de encontro e de desenvolvimento comunitário e cultural nos becos, vielas, ruas, avenidas e praças. É urgente, portanto, alterar a lógica de gestão das cidades tornando-as efetivamente espaço público capaz de acolher e promover os direitos de todes/as/os.

Proposições

  • Implementar e/ou ampliar os sistemas de transporte metropolitanos em todas as regiões metropolitanas do país, incluindo ônibus, trens e metrô e dando prioridade a este último, com a definição de metas e prazos;
  • Ampliar investimentos financeiros e subsídios voltados a sistemas de transporte metropolitanos e municipais;
  • Criar e investir em conselhos gestores de políticas urbanas, com o objetivo de garantir e ampliar a participação da sociedade civil na elaboração dessas políticas;
  • Ampliar as formas de controle social por parte da população em relação à prestação do serviço de transporte público, especialmente no que diz respeito à aplicação de recursos e acesso às informações e dados da mobilidade urbana;
  • Consolidar e efetivar a Política Nacional de Mobilidade Urbana, tendo sob a responsabilidade da União a proposição e coordenação de discussões e debates com a população, bem como a fiscalização de ações locais;
  • Priorizar a implementação de trens, metrôs e ciclovias em todas as grandes cidades do país, tornando-se esse um compromisso de governos municipais, estaduais e federal;
  • Dar fim aos incentivos fiscais voltados à compra e venda de automóveis;
  • Ampliar os investimentos e o incentivo ao uso de transportes não poluentes, principalmente nas grandes cidades;
  • Colocar em pauta propostas da sociedade civil organizada que oferecem alternativas aos modelos existentes de transporte público urbano, como o projeto “Tarifa Zero”;
  • Criar e manter Fundos Metropolitanos para Mobilidade Urbana Sustentável com fontes múltiplas para melhorias no transporte coletivo e transportes ativos;
  • Descentralizar e democratizar o acesso a políticas, serviços e bens, principalmente aquelas/es voltados à juventude;
  • Descentralizar e democratizar o acesso à cultura e lazer à juventude, oferecendo opções gratuitas e/ou a preços subsidiados para eventos, serviços e atividades dessa natureza;
  • Consolidar redes metropolitanas de transporte coletivo de passageiros, integradas, diversificadas (com vários modos de transporte integrados), com ampla oferta e qualidade do serviço perceptível pelos usuários;
  • Implementar ações efetivas de combate à violência no trânsito, com metas de extinção de mortes por atropelamentos e colisões de trânsito, tomando como base a inaceitabilidade de mortes causadas pelo e no trânsito;
  • Ampliar investimentos em políticas voltadas à garantia do direito à moradia, principalmente, às populações de baixa renda;
  • Determinar que o ônibus acessível a pessoas com deficiência seja o padrão único da frota de transporte coletivo, como estabelecido na Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015);
  • Acabar com a prática de remoções forçadas dirigidas às ocupações populares urbanas, reconhecendo como legítimo o direito de ocupação das pessoas sem acesso à moradia;
  • Valorizar e incentivar a apropriação dos espaços públicos urbanos pelas juventudes, entendendo o espaço público como importante espaço de socialização e de formação cidadã;
  • Implementar efetivamente o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Juventude.

O Brasil está diante de uma matança generalizada da sua população jovem, notadamente os rapazes negros, que são as principais vítimas da violência letal. Em 2016, segundo apontam os dados do Atlas da Violência 2018, houve um aumento de 7,4% em relação a 2015 no número de jovens mortos de forma violenta. Já no período de dez anos, entre 2006 e 2016, o aumento registrado foi de 23,3%. O número de mortes violentas é também um retrato da desigualdade racial no país, onde 71,5% das pessoas assassinadas são negras ou pardas, com baixa escolaridade e não possuem o ensino fundamental concluído.

O que se assiste é um aumento assustador das mortes violentas no país. Das 61.283 mortes violentas ocorridas em 2016 no Brasil, a maioria das vítimas são homens (92%), negros (74,5%) e jovens (53% entre 15 e 29 anos). As mortes violentas no país subiram 10,2% entre 2005 e 2015. Mas, entre pessoas de 15 a 29 anos, a alta foi de 17,2%.

A violência letal intencional no Brasil cresce contra negros (pretos e pardos) e regride contra não negros (brancos, amarelos e indígenas), a taxa de homicídios de indivíduos não negros diminuiu 6,8%. No mesmo período, a taxa entre a população negra saltou 23,1% e foi a maior registrada desde 2006. Esse quadro é ainda mais aterrador para a juventude negra: 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. São 63 mortes por dia, que totalizam 23 mil vidas negras perdidas pela violência letal por ano.

Os homicídios são reflexo da sobreposição de vulnerabilidades às quais esta população negra está sujeita e o quanto a violência  atravessa esses corpos de maneira generalizada. Apesar de alguns avanços conquistados, como a Lei Maria da Penha, o número de homicídios de mulheres negras – que inclui as pretas e pardas – segue aumentando com destaque para os feminicídios. Segundo o Atlas da Violência (2018) as mulheres negras, pobres e que têm entre 18 e 30 anos são a maioria das vítimas de crimes contra a mulher. Em 10 anos o assassinato de mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto a taxa de homicídio de mulheres não negras diminuiu 8%; a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.

Esse cenário é tão alarmante que ativistas e especialistas têm denominado o fenômeno de genocídio da juventude negra.  O extermínio generalizado ou genocídio dos jovens negros é reflexo do racismo estrutural e institucional, que coloca em xeque ideais de solidariedade e igualdade, e impacta o tipo de sociedade que estamos construindo para as próximas gerações.

Ainda que muitas pessoas acreditem que o racismo – prática discriminatória que visa colocar grupos e/ou indivíduos em posições de desigualdade, em virtude de aspectos físicos, como a cor da pele – se manifeste individualmente, operando apenas nas relações interpessoais, a história demonstra que essa não é uma questão restrita ao âmbito individual. Historicamente o povo negro vivência condições de vida muito inferiores aos de pessoas brancas. Mesmo quando comparadas/os à parcela da população branca e pobre, em geral, es/as/os negres/as/os e pobres se encontram em situação muito pior. Isso pode ser facilmente ilustrado por indicadores sociais, como os que apontam que 76% da população mais pobre é negra; 79,4% de pessoas analfabetas são negras; 62% das crianças que estão fora da escola são negras; em média a renda de negros é 40% menor que a de brancos ( IPEA 2012).

O problema da desigualdade social no Brasil não diz respeito apenas a questões socioeconômicas, mas passam fundamentalmente por dimensões socioculturais e étnico-raciais. Para enfrentar esse problema – que tem como consequência o extermínio de uma parcela da população (a de negras/os) – é preciso assumir que somos uma sociedade racista e, ainda, que o racismo é praticado pelo próprio Estado. As alarmantes taxas de mortalidade da juventude negra são resultado de uma série de outras violências sofridas por esse segmento, provocadas principalmente pelo Estado, que não é capaz de oferecer acesso igualitário, entre negras/os e brancas/os, às políticas sociais e aos serviços públicos. Estratégias e políticas de segurança e proteção da cidadania, por exemplo, incidem de forma diferenciada nas populações branca e negra. Toda essa omissão contribui, ainda, para a naturalização e a banalização dessas violações, por parte de variados setores da sociedade, resultando na culpabilização das vítimas.

É preciso atentar para a participação dos agentes dos sistemas de justiça e de segurança pública nesse contexto. Pesquisas mostram que são os jovens negros, especialmente os moradores das periferias, as principais vítimas de violência policial no país: de cada 10 mortos pela polícia, sete são negros; são eles também que compõem grande parcela da população carcerária (38% tem de 18 a 29 anos e 60% são negros). O racismo no Brasil é estrutural e estende-se para as práticas dos agentes das instituições públicas. Talvez as instituições policiais sejam o agente estatal mais perverso na prática do racismo institucional: a polícia elegeu o jovem negro como o suspeito principal, atribuindo-lhe o estereótipo de inimigo padrão da sociedade. Nas vilas, favelas e bairros periféricos é comum ouvir depoimentos de jovens negros que desde criança foram agredidos dentro de suas comunidades com tapas e empurrões de policiais em serviço.

Frente a esse contexto, em termos normativos, a própria Constituição Federal de 1988 traz alguns preceitos antidiscriminatórios, entre os quais pode-se destacar o reconhecimento de que o Brasil seja um país de pluralidade étnico-racial; o respeito ao princípio da isonomia e da não discriminação; e o que tornou o crime de racismo inafiançável e imprescritível.

O Racismo é um crime contra a coletividade e não contra uma pessoa ou grupo específico e está previsto em lei específica (Lei 7.716/1989). É inafiançável, imprescritível e a pena varia de um a três anos de reclusão. O crime de Injúria Racial, especificado no artigo 140 do Código Penal, terceiro parágrafo, refere-se a ofender uma ou mais vítimas, por meio de “elementos referentes à raça, cor, etnia, religião e origem”. É também um crime inafiançável e prescreve em oito anos, a partir do momento da injúria. A pena de reclusão é de um a três anos, mais multa.

Foram criadas, a partir de 2003, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que é baseada, inclusive, em acordos e documentos internacionais. Mais recentemente houve uma ampliação das políticas afirmativas, fruto da adoção de cotas para pessoas negras em algumas universidades públicas e de medidas como a Lei nº 12.711, sancionada em 2012. Em resposta a pressões da sociedade, foi criado o Plano Juventude Viva, com o objetivo de reduzir a mortalidade de jovens, especialmente jovens negros, por meio do incremento de ações e políticas sociais específicas. No entanto, todas essas ações têm se mostrado limitadas e insuficientes para fazer frente à gravidade do que está se passando em todo o país. Além disso tais políticas deixaram de existir no governo de Michel Temer, representando um grave retrocesso.

A cruel realidade é que desde 2015 o Brasil vem reduzindo os investimentos em políticas de direitos humanos. O total de recursos federais destinado a políticas para mulheres, igualdade racial, LGBTs e direitos humanos caiu 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Como uma das consequências da queda, em 2016 não foi firmado nenhum convênio novo voltado a esses segmentos. É preciso avançar com urgência e conter as mortes de jovens. Também é necessário responsabilizar o Estado brasileiro nas cortes internacionais, a fim de definir formas de reparação e compromissos a serem assumidos pelo país para acabar com o genocídio. Por essa razão é tão importante que o tema ganhe cada vez mais destaque não apenas nas agendas governamentais, mas também nos diversos espaços de debate da sociedade civil nos planos nacional e internacional.

Proposições

  • Reconhecer o fenômeno do genocídio da juventude negra como um problema de Estado e determinar o seu enfrentamento como uma das prioridades da gestão pública, em âmbitos municipal, estadual e federal, a fim de se ampliar e efetivar o grau de eficiência e eficácia das políticas públicas;
  • Dar visibilidade à situação de vulnerabilidade a que está submetida a juventude negra nas agendas dos diversos segmentos sociais;
  • Ampliar espaços de reflexão sobre a violência letal contra a juventude negra;
  • Realizar amplamente audiências públicas que tratem da temática nas diversas cidades brasileiras;
  • Implementar e fortalecer o Programa Juventude Viva, inclusive com ampliação de infraestrutura, equipe e orçamento;
  • Aumentar a porcentagem de cotas e políticas afirmativas para o ingresso e permanência de pessoas negras em universidades públicas e privadas;
  • Aprovar e efetivar o projeto de lei 4471/2012 que prevê a obrigatoriedade de investigação de mortes e lesões corporais em atividades policiais;
  • Denunciar o Estado brasileiro nas instâncias internacionais cabíveis pelo crime contra a humanidade de genocídio da juventude negra, a fim de responsabilizar o Estado e determinar medidas de reparação e outras obrigações correspondentes.

Quando falamos em política estamos falando em cuidar das decisões sobre os problemas de interesses individuais e coletivos. Política é, sobretudo, uma atividade de transformação do real, da história. Todas as ações humanas que produzem algum efeito sobre os grupos sociais ou sobre as regras de convivência, dentre outras, são de natureza política. Portanto, o sentido de política que vivemos no tempo presente tem muito a ver com os resultados dos conflitos e das lutas históricas. Nesta perspectiva, não existe quem não sofra com as consequências de uma decisão política, de um governo, por exemplo. Daí, o engano de quem acredita que está fora da política ou que pode viver sem ela. Se pretendemos ser sujeitos da própria vida, temos de nos perguntar pela participação política na luta pelos nossos direitos.

Porém, sabemos que as pessoas fazem sua própria história, mas não segundo as condições que elas mesmas escolhem. Neste sentido, por não existirem as condições consideradas ideais, o Estado assume um papel para ampliar essas possibilidades. Desta forma, a atividade política institucional do Estado é um conjunto de respostas a necessidades da vida social, como a organização da vida coletiva e o atendimento a objetivos comuns. Mas é sempre um conflito pois há uma disputa pelos recursos existentes e pela forma de utilizá-los, se para os interesses de uma minoria privilegiada ou para uma maioria da população, por exemplo. É somente através da participação política que os interesses da população podem ganhar visibilidade.  Por isso, é necessário compreender os problemas políticos como problema de todos/as.

A democracia no Brasil ainda é muito recente, implementada com o fim da ditadura militar no final dos anos 80. Ainda que as instituições democráticas brasileiras estejam em alguma medida consolidadas, ainda há muito que se avançar em direção ao aprofundamento e aperfeiçoamento da nossa democracia. Um dos grandes desafios é a própria desigualdade social ou mesmo as formas existentes de representatividade, que na maioria das vezes não expressam as demandas e necessidades da maioria da população. Essa realidade ficou bem visível nas jornadas de junho de 2013, na qual grandes parcelas da população, na sua maioria jovens, ocuparam as ruas questionando fortemente a representatividade e a funcionalidade da máquina pública, da organização do estado, na promessa de uma atuação democrática.

Nesse contexto a demanda por outra formulação de democracia, ou seja, uma democracia mais participativa e direta, tem a ver com a garantia de envolvimento efetivo das pessoas nas decisões políticas que lhes afetam e alteram seu cotidiano, sobretudo no sentido das populações mais pobres e excluídas que vivem mais diretamente os efeitos das desigualdades sociais. Populações essas que pouco são escutadas e validadas nas decisões políticas. Assim, a democratização da participação política seria um mecanismo indispensável para que o povo seja parte dessas decisões e que pressione o Estado no sentido de aplicação de regras para garantir maior envolvimento das pessoas no exercício do bem comum. Neste sentido, tal democratização não se esgotaria como um fim em si, mas como um meio para a garantia de direitos. Buscaria, pois, uma maior representatividade e mais ampla participação das identidades e diversidades nessas decisões, retirando-as da exclusividade do Estado.

Vale ressaltar que a participação política é uma forma muito limitada quando ela se dirige somente às eleições ou se refere apenas às formas institucionalizadas de participação e representação, como partidos, por exemplo. A história brasileira é cheia de exemplos de formas de participação e mobilização popular, como os movimentos sociais os mais diversos, que vieram contribuindo para o aperfeiçoamento da nossa democracia. Neste sentido, participar seria um direito, mas também um dever, uma vez que desejando ou não, as pessoas comuns tendem a ser utilizadas pelas elites para a realização de seus projetos. Por isso que os movimentos reivindicatórios são fundamentais como ação política capaz de transformar e romper com os ciclos de exclusão social e a subalternidade que lhes são impostas.

Quando relacionamos este contexto às juventudes, os desafios ainda são maiores porque, além de demandarem direitos, essa parcela significativa da população vêm buscando seu reconhecimento como sujeitos políticos, com saberes e desejos de transformação. Com isso, buscam superar a ideia de que sejam vazios de conhecimento, desinteressados ou meramente indivíduos a serem treinados para responderem às demandas dos adultos. Previsto na Constituição Federal de 1988, o direito à participação foi recentemente incorporado também ao campo dos direitos da população jovem. O Estatuto da Juventude, promulgado em 2013, tem como um de seus princípios a “valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações (Artigo 1º)”. O direito à participação juvenil, portanto, pode ser exercido não apenas por meio do voto, mas também através de outros mecanismos democráticos, como conselhos de direitos, iniciativas populares de lei e manifestações as mais diversas.

Do ponto de vista institucional, os conselhos de direitos e as conferências temáticas sobre políticas públicas de juventude – em níveis municipal, estadual e federal – têm se consolidado nos últimos anos como importantes instrumentos de participação des/as/os jovens nos espaços de discussão e/ou decisão política, porém eles têm sido insuficientes para ler e abarcar as demandas que se apresentam. Estudos e pesquisas demonstram que essas instâncias precisam ser aprimoradas, principalmente em relação à qualidade da participação, da representação e da implantação das matérias deliberadas. Associado a isso, questiona-se a efetividade desses espaços, tanto no que se refere à sua capacidade em influenciar os processos de tomada de decisões quanto a real representatividade dos diversos interesses da população jovem. Sobre a representatividade, vale reforçar que ainda há pouco ou nenhum espaço de representação das diversidades juvenis, especialmente no que se refere à raça, etnia, identidade de gênero, orientação sexual, classe e território. O perfil de jovens que participam dos espaços institucionalizados de representação e participação é majoritariamente masculino, branco, sis, heteronormativo, elitizado e urbano.

O limite destas formas institucionais ficou evidente diante das mobilizações juvenis iniciadas em 2013, seguidas pelas manifestações juvenis de 2015 contra impeachment da presidente Dilma, e as ocupações das escolas de ensino médio e universidades em 2016 contra medidas do governo Temer que retiraram direitos. Nessas mobilizações, os processos de participação política, com destaque para a inserção em pequenas coletividades, redes e grupos de afinidades tiveram forte expressão nos chamados “coletivos”; a amizade, as emoções e as proximidades, mesmo que circunstanciais, apontaram novos caminhos para a participação. Além disso, as novas tecnologias de informação e comunicação (no caso brasileiro, principalmente os smartphones) assumiram um papel destacado pela capacidade de contra informação; de interação e difusão mais veloz, menos mediada por terceiros, e também pela possibilidade de aproximar a participação política à vida cotidiana. Fica evidente que es/as/os jovens brasileires/as/os têm encontrado as mais diversas formas de se organizar e de ocupar os espaços públicos, muitas vezes lançando mão das culturas juvenis como meio de expressão de suas críticas e demandas. Diante de uma realidade na qual es/as/os jovens não se veem representades/as/os nos espaços políticos convencionais, eles/as têm encontrado nas expressões artístico-culturais, especialmente as que acontecem na rua, oportunidade de se fazerem representades/as/os socialmente. Ao mesmo tempo, estes fenômenos destacam a reconfiguração dos grupos sociais e a geração de novos enquadramentos sociopolíticos. Essas mobilizações recentes serviram para “chacoalhar” as posições, visões e correlações de forças entre partidos, sindicatos, movimentos sociais, ONG’s e outras coletividades, colocando em questão as formas existentes de representação política. (OLIVEIRA, 2018)

Finalmente, defendemos que todas as formas democráticas de participação devam ser consideradas legítimas e levadas em conta nos processos de elaboração, execução, avaliação e monitoramento das políticas públicas. Acreditamos que a ampliação e o fortalecimento da participação da sociedade civil, especialmente des/as/os jovens, são pilares da democracia e do pleno exercício de direitos. Esses objetivos devem orientar os atores políticos do Estado e da sociedade em todas as esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e em todos os níveis da federação (União, estados, Distrito Federal e municípios).

Proposições

  • Garantia da implementação efetiva do Estatuto da Juventude, por meio da criação de mecanismos que permitam monitorar e avaliar esse processo.
  • Criação de um Fundo de Participação Juvenil voltado à manutenção e criação de Conselhos de Direitos da Juventude em estados e municípios;
  • Incentivo à criação, ampliação e fortalecimento de Conselhos de Direitos da Juventude;
  • Instituição de políticas e sistemas estaduais e municipais de participação social, a partir da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS);
  • Garantir espaços de interlocução e participação das diversas juventudes na definição das políticas urbanas de cada município;
  • Repúdio à criminalização dos movimentos sociais, culturais e de manifestações juvenis em geral, expressa sob a forma de leis, decretos, portarias e práticas arbitrárias por parte de policiais civis, militares e demais agentes do Estado, como violência policial e prisões políticas;
  • Apoio à devida investigação e punição de práticas de violência e arbitrariedade policial no contexto de quaisquer formas de manifestação política.
  • Criação, ampliação e fortalecimento de espaços institucionais e de condições efetivas de participação juvenil das minorias, considerando-se as diversas identidades de raça, etnia, gênero, orientação sexual, classe, território, crença etc., inclusive por meio da oferta de auxílios financeiros para que estes/as jovens possam se dedicar à participação nesses espaços.

Importante conquista dos movimentos sociais no período de redemocratização do país, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o principal marco normativo de promoção e defesa dos direitos des/dos/das adolescentes. A Constituição Federal de 1988, no artigo 227, também atribui à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade pela proteção integral da população de 0 a 18 anos. Passados mais de 30 anos da promulgação do ECA, é possível identificar uma série de avanços nesse campo, como a diminuição da mortalidade e do trabalho infantil, a ampliação do acesso ao ensino fundamental e médio e a redução do analfabetismo. No entanto, persistem ainda muitos desafios para a efetivação desses direitos, especialmente nos casos de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. A não redução da maioridade penal e a consolidação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE são alguns dos caminhos necessários para a promoção da cidadania desses sujeitos.

Além disso, é preciso também considerar as problemáticas e desafios relacionados ao sistema prisional, pois segundo o levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em junho deste ano, a taxa de ocupação dos presídios brasileiros é de 175%, para o total das 1.456 unidades penais no país. Em algumas regiões, os presídios recebem cerca de três vezes mais do que poderiam suportar, causando situações concretas de violência institucional, como mortes dentros dos presídios, relatos de maus-tratos, lesão corporal, casos de suicídio, além da negação e negligência da condição das mulheres gestantes em cárcere. De acordo com os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN, 2016), o Brasil é o terceiro país com mais presos no mundo, sendo 726.712 em 2016. Destes 30% têm entre 18 e 24 anos, e 25% entre 25 e 29 anos. Os dados são semelhantes ao da pesquisa realizada em dezembro de 2015, que registrou 54% de presos com menos de 30 anos. O estudo revela também que a maioria são jovens negros/es/as, pobres e 88% dos presos não estão envolvidos em nenhuma atividade educacional e 85% estão alheios à dimensão do trabalho dentro e fora dos estabelecimentos penais no Brasil. Outro fato marcante é a questão de que mais de 40% dos presos ainda não foram julgados. O número de presos provisórios vem crescendo desde os anos 2000. Outra pauta importante é a situação da população LGBTIQ+ em situação de privação de liberdade, pois sequer há dados disponíveis e apenas 15% das unidades prisionais do país possuem alas específicas para essas pessoas (Ministério da Justiça, 2016). Observa-se, desse modo, que cresce a cultura do encarceramento e aumentam os índices de violência, sendo necessário pensar proposições que alterem essa lógica.

Um importante avanço normativo com foco na parcela de jovens de 15 a 29 anos de idade é o Estatuto da Juventude. Criado pela Lei 12.852 de 05 de agosto de 2013, esse instrumento reforça a lógica apontada na Constituição Federal de 1988 e no ECA, que considera es/os/as jovens como sujeitos de direitos e reconhece a necessidade de garantir direitos específicos para essa população, sendo eles: direito à cidadania, à participação social e política e à representação juvenil, direito à educação, à profissionalização, ao trabalho e renda, à diversidade e à igualdade, à saúde, à cultura, à comunicação e à liberdade de expressão, direito ao desporto e ao lazer, ao território e à mobilidade, à sustentabilidade e ao meio ambiente; direito à segurança pública e o acesso à justiça.

O Estatuto da Juventude prevê ainda no seu art. 3º as diretrizes que devem ser seguidas pelos agentes públicos ou privados envolvidos com políticas públicas de juventude. Dentre elas, ressaltamos o inciso XI, que diz que tais agentes devem zelar pelos direitos des/as/os jovens com idade entre 18 e 29 anos privades/as/os de liberdade e egresses/as/os do sistema prisional, formulando políticas de educação e trabalho, estimulando a sua reinserção social e laboral, criando oportunidades de estudo e trabalho, buscando, assim, favorecer o cumprimento do regime semiaberto.

Há uma falsa crença, infelizmente muito propagada no senso comum, de que es/as/os jovens menores de idade não são punidos ao cometerem infrações. Na verdade, elas/eles são, sim, responsabilizades/as/os penalmente, a partir dos 12 anos. As punições devem ter caráter pedagógico, dada a condição peculiar de desenvolvimento desses sujeitos, e são aplicadas por meio de medidas socioeducativas, sendo que o tipo de punição varia de acordo com a gravidade do delito. As medidas existentes vão desde as cumpridas em meio aberto – advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade (PSC) e liberdade assistida (LA) – às medidas restritivas e privativas de liberdade – semiliberdade e internação. Essas formas de punição des/as/os jovens que praticaram atos infracionais estão previstas no ECA e foram regulamentadas em janeiro de 2012 pela Lei Federal 12.494, que instituiu o SINASE. Segundo texto de apresentação da lei, um dos objetivos é reverter a tendência crescente de internação des/as/os adolescentes e chamar a atenção para sua eficácia invertida, já que a elevação do rigor das medidas – privilegiando as medidas restritivas e privativas de liberdade em detrimento das medidas em meio aberto – não tem contribuído substancialmente para a inclusão social dos egressos.

Além disso, especialistas apontam que tanto o ECA quanto o SINASE não foram aplicados plenamente e persiste uma série de problemas relativos à execução das medidas socioeducativas, principalmente aquelas em meio fechado. Podem ser mencionadas, por exemplo, situações de violação de direitos humanos sofridas por jovens dentro dos centros de internação. Relatório publicado pelo Conselho Nacional do Ministério Público revela dados importantes e questiona: “podemos afirmar que o modelo ressocializador do ECA fracassou, se considerarmos que ele sequer foi implantado dentro das unidades de internação e semiliberdade?” (CNMP, 2013). O documento aponta, por exemplo, o uso de armas como cassetete, spray de pimenta, eletrochoque e bala de borracha por parcela considerável das unidades pesquisadas, o que contraria os princípios do diálogo e da mediação de conflitos. Outro dado alarmante é que em mais de 80% das unidades de internação não existe atendimento às/aos jovens egressos e suas famílias, o que também viola a lei do SINASE (Art. 11).

Sobre o perfil des/as/os adolescentes em cumprimento de medidas, Levantamento Anual do SINASE de 2016 mostra que a população juvenil em atendimento socioeducativo chegava ao total de 26.450 jovens. Desses, 70% (18.567) encontrava-se em medida de internação, 20% (5.184 mil) em internação provisória e 8% (2.178 mil) em medida de semiliberdade, além de 334 adolescentes jovens em atendimento inicial e 187 em internação sanção [1]. Desse total, 96% são do sexo masculino, com idade entre 16 e 18 anos, têm baixa escolaridade – sendo que a maioria abandonou os estudos antes de ingressar no Ensino Médio – mais de 60% são negres/as/os. Segundo o mesmo levantamento, os atos infracionais mais comuns são roubo, correspondendo a 47% dos casos, e tráfico de drogas, que corresponde a 22% – ou seja, diferentemente do que pensa o senso comum, os crimes contra a vida são praticados em menor proporção. Assim como no sistema prisional, também no socioeducativo não há dados e são praticamente inexistentes políticas de acolhimento específicas voltadas às pessoas LGBTIQ+ em cumprimento de medidas.

Vale ressaltar ainda que a cultura do encarceramento não contribui para o fim da violência, tampouco para a redução da criminalidade. Pesquisa mostra que, após a criação da lei que tornou hediondo o crime de tráfico de drogas, não se produziu nenhum efeito na direção da redução dessas práticas. Ao contrário, o que se observou foi o aumento da criminalidade relacionada ao tráfico e da população carcerária no Brasil que segue crescendo. Em 2016 o país teve 33.590 jovens de 15 a 29 anos assassinados, sendo 94,6% do sexo masculino e mais de 70% negros. Apesar de em 2015 ter tido uma pequena redução registrada em relação a 2014 (-3,6%), em 2016 voltamos a ter crescimento do número de jovens mortos violentamente correspondente a 7,4% em comparação a 2015 (Altas da Violência, 2018).

Esse panorama evidencia que o fenômeno da criminalidade e da violência que atinge es/as/os jovens é multicausal, não podendo ser tratado de maneira simplista e superficial. Nesse sentido, a redução da maioridade penal contribuiria para condenar ainda mais es/os/as jovens, especialmente jovens negres/as/os, a uma carreira criminosa. Portanto, é a aplicação efetiva das leis já existentes, a garantia do acesso aos direitos sociais e a redução das desigualdades sociais que poderão evitar que es/as/os jovens se envolvam e/ou reincidam em práticas criminosas.

Proposições

  • Garantia da implementação integral do ECA e do Estatuto da Juventude, criando instrumentos eficazes de monitoramento;
  • Execução do SINASE e formulação imediata de planos de ação correlatos nas esferas estaduais e municipais, para real cumprimento da norma;
  • Posicionamento firme em relação à NÃO redução da maioridade penal;
  • Investimentos em Políticas Sociais que garantam o acesso integral e de qualidade des/asos jovens adolescentes aos cinco direitos fundamentais previstos no ECA – (Vida e saúde – Art. 7º a 14; Liberdade, respeito e dignidade – Art. 15 a 18; Convivência familiar e comunitária – Art. 19 a 52; Educação, cultura, esporte e lazer – Art. 53 a 59; Profissionalização e proteção no trabalho – Art. 60 a 69); e des/as/os jovens aos direitos previstos no Estatuto da Juventude.
  • Efetivação de todas as medidas socioeducativas em condições adequadas pelas políticas setoriais, compondo um conjunto de ações socioeducativas que contribuam com a formação des/as/os adolescentes, de modo que se desenvolvam como cidadãos autônomos e solidários, capazes de se relacionarem melhor consigo mesmos, com os outros e com tudo que integra o seu contexto e sem reincidir na prática de atos infracionais;
  • Ampliação da oferta de programas socioeducativos em meio aberto, priorizando a aplicação das medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços Comunitários.
  • Criação e execução de políticas e ações específicas voltadas à população LGBTIQ+ de jovens, em cumprimento de medidas socioeducativas, considerando-se principalmente o atendimento médico e psicológico; a garantia da existência de alas específicas; e a garantia de que as revistas sejam feitas por agentes mulheres, sempre que assim o desejarem es/as/os internes/as/os travestis e transsexuais.
  • Criação e execução de políticas e ações específicas voltadas à população LGBTIQ+ de jovens, em cumprimento de pena, considerando-se principalmente o atendimento médico e psicológico – incluindo a continuidade de tratamento hormonal e a realização de cirurgias de redesignação de gênero às/aos que desejarem, enquanto cumprem pena; a garantia da existência de alas específicas e a garantia de que as revistas sejam feitas por agentes mulheres, sempre que assim o desejarem es/as/os apendes/as/os travestis e transsexuais.
  • Implementação de políticas de formação voltadas a agentes dos sistemas socioeducativo e prisional sobre Juventudes, Interseccionalidade, Gênero e Sexualidade.
  • Posicionamento e proposições concretas contra o encarceramento em massa, às milhares de pessoas que seguem presas sem julgamento.
  • Garantia de ações efetivas para que sejam colocadas em liberdade aquelas pessoas que, nos termos da lei, estejam privadas de liberdade de forma ilegal ou desnecessária.
  • Instituição de mecanismos eficazes de monitoramento da execução da pena no Sistema Prisional, permitindo maior transparência e celeridade do sistema de justiça no país.
  • A alocação da política de atendimento socioeducativo, em estados e municípios, não esteja vinculada às respectivas pastas de Segurança Pública e que esteja preferencialmente ligada às pastas de Proteção Social, Educação, Juventude, Cultura, Esporte e Lazer.

 

[1] A internação sanção tem duração de até três meses e é aplicada quando o adolescente deixa de cumprir injustificadamente medidas socioeducativas mais brandas que lhe foram impostas.

Construir uma nova política sobre drogas é imprescindível para reverter o quadro atual de violência, descaso e dependência química que atinge as juventudes no país. A população jovem é um dos segmentos mais expostos às consequências do proibicionismo, da repressão e da criminalização do uso, características que estruturam o modelo das políticas públicas sobre o tema em todos os níveis de governo. Um efeito direto dessa lógica é o encarceramento em massa de jovens envolvidos com substâncias psicoativas, tanto usuários quanto, principalmente, agentes do sistema que sustenta o tráfico de drogas, que atinge preferencialmente jovens negros e pobres, quase sempre submetidos a condições degradantes e insalubres de trabalho. Uma nova política sobre droga deve ser orientada a partir de uma lógica que vise compreender o problema da drogadição a partir da ótica social e de saúde desvinculado de uma lógica criminal.

Em âmbito nacional, o principal instrumento normativo sobre o tema é o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei 11343/06), que estabelece as normas para o tratamento de usuários e dependentes de substâncias ilícitas e para a repressão à venda ilegal, além de tipificar crimes ligados à droga, com suas respectivas penalidades. Uma vez que a lei não especifica quantidades que caracterizam consumo pessoal ou tráfico – sendo este passível de penalização –, essa avaliação é de responsabilidade da polícia, a partir de critérios subjetivos e fortemente ligados à cor, à classe social, ao território e ao segmento etário.

Pesquisa divulgada em 2013 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e pela Fiocruz mostra que, entre os usuários de crack detidos no ano anterior, 13,9% dos casos eram devidos ao uso ou posse de drogas e, 9,2%, a furto ou roubo. Apenas 5% das detenções estavam associadas ao tráfico ou produção de drogas. Ainda segundo o mesmo estudo, esse contingente é caracterizado por jovens, homens, negros e pouco escolarizados, geralmente em situação de grande vulnerabilidade social. Assim, no Brasil e em outros países, percebe-se que a “guerra às drogas” afeta, sobretudo, a parcela da população que está mais vulnerável ao problema. Trata-se, na realidade, de uma guerra contra as pessoas.

Além disso, os debates públicos sobre a questão das drogas – lícitas e ilícitas – são atravessados por discursos moralizantes e não raro pela ausência de informações consistentes sobre o contexto ligado ao consumo, à adicção e ao tráfico de substâncias psicoativas. Existem diferentes tipos de droga, cujo uso não necessariamente antecede a dependência química ou provoca riscos a outras pessoas, aspectos em geral negligenciados quando o tema está em pauta.

Outro agravante é que persiste a tendência a uma política repressiva e de apoio ao tratamento da drogadição por meio de intervenções forçadas. É o caso do Projeto de Lei 7663/2010 (atual PLC nº 37/2013), de autoria do atual ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra (governo Temer) já aprovado pela Câmara e em discussão no Senado, que prevê o aumento da pena para usuários de drogas e a internação compulsória de dependentes químicos. São medidas que, em definitivo, não contribuem para o real enfrentamento do problema das drogas no país. Historicamente, intervenções semelhantes tampouco colaboraram para a diminuição do consumo de drogas ou para a redução da violência no Brasil ou em outros países em que foram adotadas.

Para além da legislação, também a atuação do Poder Executivo frente à questão das drogas ilícitas assume um viés repressivo e/ou punitivo. O atual governo Temer vem adotando perspectiva ainda mais conservadora e retrógada em relação à Política sobre Drogas. O Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad) aprovou em março de 2018 uma resolução que retrocede da perspectiva da Redução de Danos, que vinha avançando, e dá centralidade ao uso da abstinência como única possibilidade de tratamento. Além disso, as políticas existentes seguem colocando o crack como principal alvo, devido ao seu suposto potencial destrutivo e o aumento de usuários – como fazem crer a imprensa e o senso comum – o que não necessariamente reflete as estatísticas,.

Publicação do Ministério da Justiça (2016) que reúne análises e discussões sobre o tema,  a partir de pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, elucida que nas capitais, o uso do crack atinge 0,8% da população adulta, enquanto que a dependência do álcool é de oito a quinze vezes maior. A pesquisa também rebate a ideia de que essa droga mata em seis meses, uma vez que 80% dos usuários pesquisados fazem uso frequente há mais de seis anos. Em realidade, os estudos revelam que o que mata esses usuários é o contexto de exclusão social em que se inserem: 80% dos usuários regulares de crack são negros e não chegaram ao ensino médio; 40% deles vivem em situação de rua; e 48% tiveram alguma passagem pelo sistema prisional. Entre as mulheres usuárias regulares de crack o quadro é semelhante e se agrava diante do fato de que 47% relataram histórico de violência sexual. Quanto à mortalidade de usuários de crack verifica-se que é 7 vezes superior à população geral, mas em 60% dos casos a causa é o homicídio e não a dependência química. Esse dado remete à importante discussão sobre a relação entre tráfico e uso de drogas ilícitas e violência, é preciso trazer à tona que a relação entre o tráfico ilícito de drogas e a violência não é um dado absoluto: na Europa, por exemplo, que consome e trafica muito mais drogas ilícitas do que o Brasil, os índices de violência são incomparavelmente menores que aqui (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2016).

Nesse sentido, o problema da drogadição com foco em apenas uma droga é uma estratégia equivocada, pois o consumo depende menos da substância em questão e mais de aspectos ligados às condições objetivas e subjetivas dos usuários. Frequentemente a dependência química se relaciona a um histórico de privação de direitos sociais.

Vários países já descriminalizaram o uso de substâncias psicoativas, tais como Portugal, Holanda e Espanha e mais de 20 estados estadunidenses. O Uruguai aprovou uma lei que regulariza o plantio para uso próprio e a venda legal da maconha e o Canadá permitiu a venda da maconha para uso medicinal. Ao contrário do que se costuma propagar, essa descriminalização não foi acompanhada de um aumento do consumo e, em relação aos casos mais recentes, é preciso mais tempo para avaliar de forma conclusiva os impactos especialmente em relação ao tráfico e à violência. Nesses contextos, a questão das drogas deixa de ser tratada sob a ótica repressiva e penalista e passa a compor o campo da saúde pública, por meio de ações de tratamento aos dependentes, como redução de danos, internação voluntária e apoio psicológico aos usuários e familiares. Tais mudanças também geram redução dos gastos com aparatos repressivos e mais investimentos no setor de saúde.

Portanto, repudiamos o proibicionismo e a repressão como orientadoras do marco legal sobre drogas e reivindicamos políticas mais humanizadas que tenham foco no tratamento do usuário e/ou dependente químico. É preciso pautar a regulação da produção, consumo, industrialização e comercialização de todas as substâncias ilícitas, de maneira a inibir o tráfico ilegal dessas substâncias e garantir que a questão seja tratada sob a perspectiva dos direitos humanos, da liberdade individual e da saúde pública.

Proposições

  • Regulação da produção, consumo, industrialização e comercialização de substâncias consideradas ilícitas, incluindo o apoio ao PL 7270/2014 e ao PL 10549/2018, que dispõe sobre a regulação da Cannabis (maconha).
  • Fortalecimento da redução de danos como política prioritária no tratamento dos casos de dependência química;
  • Ampliação e fortalecimento da rede de atenção e de reinserção social para dependentes químicos nas áreas da saúde e assistência social e em diálogo com a política de saúde mental. Aqui se incluem equipamentos como Consultórios de Rua, CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), Centros de Convivência, Leitos de Desintoxicação em Hospitais Gerais e CREAS (Centros de Referência em Assistência Social).
  • Fechamento dos leitos em hospitais psiquiátricos voltados à internação de dependentes químicos.
  • Admissão da internação compulsória apenas como último recurso aplicável a dependentes químicos, adotada caso a caso, mas nunca como uma política pública de saúde.
  • Revisão do financiamento público para comunidades terapêuticas voltadas ao tratamento de usuários, estabelecidos na Portaria 131/2012 do Ministério da Saúde. Esse financiamento deve ser destinado aos serviços públicos e as instituições devem manter as premissas do Estado Laico.
  • Ampliação e fortalecimento de políticas de convivência familiar e comunitária com foco na arte, cultura, lazer e educação.

A segurança pública é um dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal (arts. 5º e 144) proclamado, inclusive, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Entretanto, o modelo de segurança pública adotado no Brasil tem se mostrado ineficiente, indicado, entre outros fatores, pelo agravamento da violência letal que atinge principalmente a população jovem, negra e pobre do Brasil. Segundo o Atlas da Violência (2018), produzido pelo Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada – IPEA, e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP, em 2016, a taxa de homicídios de pessoas negras foi duas vezes e meia maior que a de pessoas não negras (16,0% contra 40,2%). Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios desse segmento da população cresceu 23,1%, enquanto que a da população não negra teve uma redução de 6,8%. Esse mesmo estudo revela que, quando analisada a violência letal contra jovens, verificamos que os homicídios correspondem a 56% da causa de mortes de homens entre 15 e 19 anos e, em 2016, quando considerados jovens entre 15 e 29 anos, observa-se uma taxa de homicídio de 142,7 por 100 mil habitantes, ou de 280,6 considerando apenas a subpopulação dos homens jovens. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre 2015 e 2016, dos 5.896 boletins de ocorrência de mortes, decorrentes de intervenções policiais, identificou-se que 76,2% das vítimas são negras (excluídos os casos em que não havia identificação de raça/cor da vítima).

Apesar de alguns avanços conquistados, como a Lei Maria da Penha, o número de homicídios de mulheres negras segue aumentando, com destaque para os feminicídios. Segundo o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, mulheres negras, pobres e que têm entre 18 e 30 anos são a maioria das vítimas de crimes contra a mulher. O referido Atlas da Violência reforça a preocupação revelando que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.

O problema da violência certamente não é de fácil solução, haja vista a complexidade de fatores nele envolvidos. Não há uma única causa para o fenômeno criminal e este se associa de inúmeras maneiras a dinâmicas sociais também variadas.  As causas do aumento do fenômeno estão relacionadas ao cruel e persistente quadro de desigualdade social e racial do país, como também à explosão do desemprego e das vulnerabilidades sociais que se intensificaram após a retirada de Dilma Rousseff da Presidência. Apesar disso, o modelo neoliberal penal de segurança pública adotado no Brasil, que se baseia no punitivismo, investe mais na criação de prisões do que em políticas sociais que possibilitem a transformação deste cenário de desigualdades sócio-raciais.

Seguindo uma tendência mundial que atende a interesses do capitalismo global, vivemos uma política de encarceramento em massa em que a população carcerária passa de 726 mil. Segundo pesquisa realizada pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2016, do total de detentos no Brasil, mais da metade era de jovens entre 18 e 29 anos. Dentre os estados brasileiros, os que possuem as maiores taxas de presos jovens, até 25 anos de idade, são o Acre (45%), Amazonas (40%) e Tocantins (39%). Do total de detentos no Brasil, 64% são negros. Além disso, cerca de 40% são presos provisórios, ou seja, aqueles que ainda nem foram julgados. Em relação à escolaridade, tema fundamental tendo em vista que a educação é um dos principais instrumentos de prevenção à criminalidade, 75% da população carcerária no País não chegou ao Ensino Médio.

Ocupamos o terceiro lugar no ranking mundial de população carcerária, com o total de 1.424 unidades prisionais, das quais 4 em cada 10 têm menos de 10 anos de existência e 78% delas têm mais presos que o número de vagas disponíveis, configurando-se uma superlotação que precariza ainda mais a vida dos detentos, 89% dos presos no Brasil encontram-se em unidades superlotadas. Entre 2006 e 2014, houve um aumento de 567,4% de mulheres presas. Hoje, o número absoluto é de 37.380 detentas. Sobre as medidas socioeducativas, a maioria das internas tem entre 15 e 17 anos, sendo que 68% são negras (INFOPEN MULHERES, 2014).

A despeito de tais medidas, verificamos por meio das estatísticas que as taxas de violência e encarceramento só aumentam, enquanto a sensação de insegurança não diminui, comprovando-se, desse modo, que não se garante segurança pública pelo simples endurecimento de leis e aplicação de penas restritivas de liberdade.

Importantes questões têm sido levantadas por especialistas e por diversos setores da sociedade civil em relação à ineficácia e ineficiência do nosso modelo de Segurança Pública, apontando para a urgente necessidade de reformas nesse sistema. Podem-se elencar a histórica desigualdade no acesso à justiça e a seletividade na aplicação das leis, marcadas pela cultura da discriminação racial e de classe. O modelo adotado tem como base o cerne punitivo escravocrata que faz parte da formação do Estado brasileiro que se construiu e se constrói sob desigualdades sociais baseadas na hierarquia racial. O que há em verdade é um processo de criminalização da pobreza – especialmente do pobre negro – que desde o Brasil Colônia é tido como elemento suspeito.

A prática da violência policial, principalmente dirigida aos jovens negros; a ineficiência do Estado em investigar com êxito os casos de homicídios dolosos – em que apenas 6% deles são solucionados; as péssimas condições de trabalho e a insatisfação de profissionais da área da Segurança Pública; a fragmentação do sistema que funciona de maneira pouco integrada entre as esferas municipal, estadual e federal e também em relação a outros setores de políticas sociais; e a existência de uma polícia ostensiva militarizada são alguns dos problemas atuais no nosso modelo.

Segundo o artigo 144 da Constituição Federal, as polícias militares são forças auxiliares e reserva do Exército, e apesar de estarem subordinadas administrativamente aos governadores dos Estados e Distrito Federal, organizam-se nos moldes hierarquizados das Forças Armadas.  O caráter militar se funda em princípios como a rígida hierarquia, a exacerbada disciplina, a obediência cega e o combate ao inimigo, valores inadequados para lidar com a população civil. Apesar de ter origens no período colonial, o modelo que temos atualmente de Polícia Militar ainda é fortemente influenciado pelo funcionamento que teve durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985), quando atuou como o principal aparelho de repressão do Estado. No entanto, é importante considerar que os próprios policiais militares, em geral, estão submetidos a péssimas condições de trabalho, o que leva a um esgotamento físico e mental intenso desses trabalhadores. Essa precarização inclui salários baixos e atrasados, desamparo institucional, falta de atendimento psicológico adequado e veto à sindicalização da categoria (art. 42, § 1.º;  art. 142, § 3.º, inciso IV da Constituição Federal).

Não têm sido raras as denúncias dirigidas a policiais militares sobre ações truculentas, de abuso de poder e uso desproporcional da força. São frequentes as violações aos direitos humanos: a prática de tortura, de execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais por agentes de segurança e por grupos de extermínio, tanto dentro quanto fora das cadeias – escamoteadas pelos chamados autos de resistência – medidas administrativas que autorizam os agentes públicos e seus auxiliares a justificarem sem maiores formalidades os meios letais utilizados na abordagem e atuação contra cidadãos suspeitos de cometerem crimes.

Durante os seis primeiros meses de intervenção federal no Rio de Janeiro, entre fevereiro e julho de 2018, foram registrados 2.565 tiroteios, 99.571 roubos e 736 pessoas mortas pela polícia (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro). Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), as mortes cometidas por policiais em serviço na região da Baixada Fluminense (RJ) atingiram o maior patamar desde 2003. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2018), entre 2014 e 2017 as taxas de letalidade da polícia aumentaram em 21 estados brasileiros, enquanto a vitimização de policiais diminuiu ou se manteve inalterada em 16 estados da Federação. Em Minas Gerais, houve um aumento de 27,8% nas mortes cometidas por policiais nesse período. Isso demonstra que, diferente do discurso da grande mídia, não há uma guerra, mas sim uma política de genocídio da população negra e pobre, especialmente das juventudes. O desaparecimento de pessoas em abordagens policiais também é recorrente. Vale ressaltar que a tortura ainda é utilizada como prática do aparato de vigilância e repressão. Em 2015, 61% dos acusados de crimes de tortura eram agentes públicos e 37% privados. Em síntese, um quadro grave de violações sustentado por tudo o que foi dito, além do frouxo ou ausente controle externo direcionado às instituições policiais, sustentado ainda pela existência de um sistema de justiça próprio – a Justiça Militar – que produz impunidade, já que muitos dos crimes cometidos por PMs não chegam sequer a serem investigados. Também a atuação desarticulada entre as polícias civis e militares dificulta ainda mais a gestão de políticas públicas eficazes nessa área.

Diante de todos esses fatores, não é difícil entender porquê a Polícia Militar e o sistema de segurança pública de modo geral são alvos de tantas críticas. Trata-se, portanto, de um arranjo político-institucional arcaico e conservador que, alimentado pela cultura da discriminação sócio-racial, produz um resultado perverso para toda a sociedade, especialmente para os mortos todos os dias pelas polícias nas periferias do Brasil, como Amarildo de Souza Dias, Cláudia Silva Ferreira e Luana Barbosa dos Reis. Aliás, a permissividade dos autos de resistência somada à dificuldade de acesso a dados e informações confiáveis sobre violência policial contribuem ainda mais para que policiais ajam ilegal e impunemente contra cidadãos, principalmente os das camadas populares.

Em sua dissertação de mestrado, Marielle Francisco da Silva defende que “(…) que  a Segurança Pública deve ser considerada como o resultado da articulação de diversas  políticas sociais, visando a defesa de direitos, garantia e promoção da liberdade (…) principalmente porque  segurança pública é muito mais que ação da polícia.”

Nesse sentido, é imprescindível que avancemos em pautas importantes como a aprovação do Projeto de Lei 4471/2012 e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/ 2013. O PL 4471/2012 propõe a criação de regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes das ações de agentes do Estado e pretende evitar abusos cometidos por policiais durante abordagens. Ele prevê alterações no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941) que acabam com os “autos de resistência”, substituindo o termo por “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte decorrente de intervenção policial”, além de medidas específicas para proteger e preservar a integridade da vítima. A PEC 51/2013 propõe a alteração da Constituição Federal para estabelecer uma reestruturação no modelo de segurança pública, dentre outras mudanças, estão a desmilitarização das polícias, unificação da carreira policial e atuação da polícia por ciclo completo, cumprindo o trabalho ostensivo/preventivo e investigativo/repressivo.

Mesmo que ainda seja necessária a ampliação da discussão em torno dos temas, é preciso atentar para a urgência de mudanças efetivas diante do alarmante quadro de violência a que se chegou. É preciso dar um basta à violência sofrida por jovens em decorrência da perversidade desse sistema, o que passa necessariamente pela humanização dos agentes de segurança pública e pela construção de Políticas Públicas de Segurança fundadas nos Direitos Humanos.

Propostas

  • Segurança pública vista sob a perspectiva da garantia de direitos e construída com ampla participação social;
  • Investimento na efetivação de direitos fundamentais das juventudes, importantes instrumentos na prevenção da criminalidade;
  • Combate ao racismo institucional;
  • Implementação de políticas intersetoriais voltadas ao combate ao feminicídio e ao machismo estrutural;
  • Implementação de políticas intersetoriais voltadas à proteção de pessoas LGBTQI+ e de combate à LGBTfobia cometida por agentes públicos e privados de segurança;
  • Ampliação e aprimoramento das políticas existentes de proteção às mulheres, inclusive às transsexuais e travestis;
  • Formação cidadã e popular dos/as agentes de segurança pública;
  • Desmilitarização das polícias e fim imediato do sistema de Justiça Militar, devendo os crimes cometidos por PMs serem julgados pela Justiça Comum;
  • Criação de polícias comunitárias que, em conjunto com a sociedade civil, estabeleçam mecanismos educativos de prevenção à violência e defesa social, e não somente de controle e repressão;
  • Priorização das atividades de inteligência e de prevenção da criminalidade pelos órgãos de segurança pública;
  • Investimento em uma ampla estrutura de mediação de conflitos e de justiça restaurativa;
  • Fim das parcerias público-privadas para a administração de penitenciárias, pois essas privilegiam os interesses lucrativos das concessionárias em detrimento de investimentos em políticas públicas que melhorem a qualidade de vida dos presos e sua ressocialização;
  • Adoção de mecanismos de regulação e controle externo das polícias, com ampla participação da sociedade civil;
  • Criação de corregedorias e ouvidorias externas às instituições policiais;
  • Aprovação do Projeto de Lei 4471/2012 e da PEC 51/2013;
  • Políticas de segurança cidadã: investimentos em iluminação, estímulo a atividades sócio-culturais, esportes e lazer em praças e espaços públicos, ampliação da oferta de  transporte público nos bairro e regiões de periferia.

A definição de um orçamento público para a efetivação das políticas de juventudes, com a adequada disponibilização de infraestrutura e recursos humanos, é fundamental para a promoção de ações de enfrentamento à violência cometida ao público juvenil, levando-se em conta suas especificidades de classe, raça, etnia, gênero, orientação sexual, idade e território. Não há como se pensar em políticas públicas sem orçamento, pois é a disponibilização de recursos públicos que as torna efetivas, refletindo as prioridades e imprimindo a direção e a forma de atuação do Estado. Paralelo a isso, não há como desconsiderar a pluralidade e diversidade juvenil na construção, implementação, execução, monitoramento e avaliação das políticas sociais voltadas a esse segmento.

Levando em conta que cerca de um quarto da população brasileira (25%) tem entre 15 e 29 anos e que o Brasil está entre os dez países com maior quantidade de jovens do mundo é preciso garantir a destinação prioritária de recursos no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) dos governos nos níveis municipal, estadual e federal, de forma proporcional à representatividade e à relevância desse grupo para o país. Além disso, é necessário que as ações direcionadas às juventudes sejam melhor discriminadas nas peças orçamentárias e constantemente monitoradas para que o recurso previsto seja de fato aplicado, uma vez que as leis orçamentárias possuem caráter autorizativo e não impositivo. Isso significa que o governo possui autonomia na realocação dos recursos ou na vinculação da execução orçamentária à disponibilidade real de recursos, salvo nos casos em que há regras constitucionais específicas.

Outro fator importante é a priorização do orçamento em ações no âmbito da promoção social, proteção da vida das juventudes, redução e prevenção da violência e das desigualdades de raça e gênero. O combate ao racismo, machismo, homofobia, transfobia e as diversas faces da violência institucional se faz urgente no Brasil. Dentre os estudos e estatísticas que comprovam tais fenômenos, destaca-se que a cada 23 minutos um jovem negro é morto (ONU, 2017); três em cada cinco mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos (Instituto Avon, 2014); 73% dos estudantes LGBTIQ+ matriculados na Educação Básica já foram vítimas de LGBTfobia nas escolas (Pesquisa Nacional Estudantes LGBT, 2015).

Cabe destacar que recursos em tais áreas (promoção e proteção da vida) são investimentos em contraponto aos gastos que o Estado brasileiro tem em campanhas e políticas que fortalecem medidas de seguranças repressivas, que operam numa lógica de custeio de políticas de encarceramento em massa, que são mais caras, não funcionam e acabam por acentuar a desigualdade social, a violência e o genocídio da juventude negra e periférica. Frente a esse cenário, as prioridades do orçamento para as juventudes devem estar fixadas em torno do acesso a serviços como educação, saúde, cultura, acesso à cidade e bens culturais, inserção no mercado de trabalho, geração de renda dentre outros direitos que possibilitem às juventudes viverem com dignidade e cidadania plena.

Um dos principais desafios para o monitoramento dos investimentos públicos nesse campo é que as políticas destinadas às juventudes são, em geral, transversais e não estão voltadas somente a jovens. O orçamento para as juventudes ainda não é institucionalizado, reconhecido e disponibilizado no SIGA Brasil, ferramenta do Senado que oferece consulta no SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – no qual ficam registradas as receitas e despesas da administração pública.

Diante desse entrave, uma iniciativa pioneira na tentativa de analisar os recursos aplicados pelo Governo Federal, na área de juventude, entre 2003-2010, elaborada pela organização não governamental Ágere Cooperação em Advocacy, mostra que os recursos destinados às políticas de juventude tiveram um crescimento progressivo ao longo de tal período, entretanto, menos de 5% do recurso liquidado é destinado para ações voltadas para es/as/os jovens. O aumento e fortalecimento do investimento nas políticas sociais juvenis acompanhado de análise que certifique as áreas em que tais recursos devem se concentrar indica um caminho a ser pautado.

Em artigo publicado na Revista de Políticas Públicas, pesquisadores (NUNES et al, 2017) analisaram a distribuição e execução orçamentária da União em relação a políticas destinadas, total ou parcialmente, ao público de 15 a 29 anos, sendo que a maioria delas abrange também os públicos infantil, adolescente e adulto e são voltados às mais diversas áreas de políticas (educação e cultura, assistência social, trabalho e renda, segurança pública, agricultura, reforma agrária, política de drogas, política de mulheres, combate ao racismo, inclusão de pessoas com deficiência, inclusão digital, esporte e lazer etc.). Considerando-se o Plano Plurianual (PPA) da União para o período de 2004 a 2007, tem-se que: foram identificados 16 programas, para os quais o valor total executado foi de 20,9 bilhões de reais, o que corresponde a 88,5% do valor previsto, mas representando apenas 0,33% da estimativa de receita total do governo para o período.

Em relação ao PPA do período de 2008 a 2011, foram contemplados 14 programas e o valor total de gastos executados passou de 20,9 bilhões para 81,6 bilhões de reais, passando a representar 1,16% da estimativa de receita da União, o que equivale a 95,2% de execução, considerando-se o valor total previsto no PPA.

Por fim, no PPA (2012- 2015), foram identificados 16 programas, para os quais o valor total do orçamento foi de 788 bilhões de reais, correspondendo a 7,9% da estimativa de arrecadação total da União. No entanto, o valor executado foi de apenas 376 bilhões de reais, ou seja, somente 47% do valor previsto e 3,7% da estimativa de receitas.

Os dados da pesquisa revelam, portanto, que houve no período analisado, um significativo crescimento do orçamento público federal para políticas voltadas às juventudes. Porém, a forma como o orçamento é organizado, como já foi dito, não permite analisar que montante de fato é destinado apenas ao público jovem, o que dificulta que haja um processo transparente de exercício do controle social orçamentário por parte da sociedade.

Nesse contexto, uma referência relevante é a experiência dos movimentos pelos direitos da infância no Brasil: desde o final da década de 1990, esses grupos vêm buscando disseminar uma metodologia comum para o controle social do Orçamento Criança e Adolescente (OCA). No âmbito federal e em alguns estados, as leis orçamentárias passaram a adotar, seja por iniciativa do poder público seja por pressão da sociedade civil, demonstrativos de despesa que informam quais são as políticas públicas destinadas a crianças e adolescentes.

Ainda que atualmente não exista uma metodologia única em âmbito nacional que contribua para unificar o Orçamento das Juventudes, torna-se fundamental um amplo diálogo entre os setores juvenis nos planos federal, estadual e municipal, a fim de identificar nas peças orçamentárias os valores destinados exclusivamente às Políticas Públicas de Juventude. Ademais, é preciso que os governos assegurem o que estabelece a Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Estatuto das Cidades e o Estatuto das Juventudes no que diz respeito à garantia da participação direta de jovens brasileiros no processo de decisão das prioridades políticas dos governos, o que inclui a influência na construção dos orçamentos públicos.

É fundamental que o poder público garanta à sociedade civil espaços de participação efetiva no processo orçamentário em âmbitos nacional, estadual e municipal, considerando-se a elaboração dos Planos Plurianuais, sua revisão, execução e avaliação. É preciso ainda que este processo seja pensado de maneira mais atraente, didática e desburocratizada para as juventudes. Por fim, para a efetivação dos direitos juvenis torna-se fundamental que haja a ampliação de recursos destinados às PPJ, sendo  condição essencial para isso que o orçamento público pensado para e com as juventudes.

 

Proposições

  • Formação de Grupos de Trabalho nos conselhos de juventude com foco na construção de parâmetros para constituição do Orçamento das Juventudes e no acompanhamento da execução orçamentária, incluindo a construção de indicadores de execução de metas físicas a serem acrescidos na legislação orçamentária.
  • Inclusão no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) de um código classificador que identifique os programas e ações destinados exclusivamente à população jovem.
  • Assegurar que as deliberações das conferências e dos conselhos de juventude estejam refletidas no planejamento do orçamento público.
  • Publicação na Lei Orçamentária Anual de um Quadro Demonstrativo de Despesas (QDD) relativo às políticas públicas relacionadas às juventudes.
  • Realização de audiências públicas específicas para a juventude, no âmbito do Legislativo e do Executivo, nos momentos de elaboração e prestação de contas do Orçamento Público.
  • Criação de áreas específicas nos Portais da Transparência para publicação de informações, estudos e prestação de contas relacionadas às Políticas Públicas de Juventude.
  • Inclusão e ampliação, no planejamento orçamentário plurianual e anual, de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as juventudes como eixo estruturador e prioritário dos programas voltadas aos jovens nas áreas de Educação, Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos e Segurança Pública.
  • Implementação, em caráter prioritário, do que estabelece o art. 24 do Estatuto da Juventude, assegurando a destinação orçamentária de recursos financeiros para o fomento de projetos culturais voltados às/aos jovens e por eles/as produzidos.
  • Priorizar orçamentos em áreas que atuem na redução da vulnerabilidade e violência sofrida pelas juventudes, priorizando os mecanismos de efetivação de seus direitos, especialmente ao que se refere à vida.
  • Criação de Fundos municipais, estaduais e nacionais de juventudes, independentes do orçamento previsto no PPAG, para ampliar os investimentos e assegurar a aplicação permanente de recursos em PPJ, mesmo em períodos de crises.

Direitos sociais da juventude: Educação

Pesquisas nacionais e internacionais vêm apontando elevados índices de vulnerabilidade social, de violência e de desigualdade escolar entre os jovens do Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE, 2017) as/os jovens/adolescentes, entre 15 a 29 anos, em sua maioria, não frequentam a escola ou alguma qualificação (58%), estando entre os principais motivos o trabalho (ou a busca por um) e os afazeres domésticos ou cuidado de crianças, adolescente, idosos ou pessoas com necessidades especiais (atinge mais mulheres). Entre os jovens de 15 a 17 anos, idade regular de frequência ao Ensino Médio, cerca de 1,5 milhões estão fora da escola, 1,8 milhões no ensino fundamental e 80 mil são analfabetos.

Se verificarmos os dados para os jovens de 18 a 24 anos, os índices pioram. Entre essa faixa etária a taxa de escolarização é de apenas 30%, em números isso significa que 6,8 milhões de jovens estão estudando enquanto 15,5 milhões estão fora da escola. A taxa de analfabetismo é de 8,5%, ou seja, 260 mil jovens. Em relação ao trabalho, 1,3 milhões de jovens de 15 a 17 anos trabalham, sendo 65% homens e 35% mulheres. Na faixa etária de 18 a 24 anos encontram-se trabalhando 12.358.583 jovens, sendo 60% homens e 40% mulheres (IBGE/PNAD/2015).

Dados ainda mais alarmantes são divulgados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2015, Cenário da Exclusão Escolar, p.18 e 23), quando apontam que no Brasil mais de 2,8 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola (6,5% dos jovens brasileiros). A exclusão escolar afeta principalmente meninos e meninas vindos das camadas mais vulnerabilizadas da população, já privados de outros direitos constitucionais. São aqueles grupos historicamente excluídos como as populações negra e indígena, as pessoas com deficiência, as que vivem nas zonas rurais e as de famílias com baixa renda, representando hoje o maior contingente fora da escola.

Cabe destacar a necessidade de inclusão de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros no sistema escolar, devido aos problemas que a população LGBTIQ+ enfrenta para chegar ao fim do Ensino Médio. Isso porque essa população é vítima de bullying escolar, LGBTfobia e sofre com a exclusão pela família, não conseguindo concluir o ensino médio. É preciso pensar ações focadas na garantia à permanência dessas/desses adolescentes e jovens na escola e no seu acesso à universidade, com mecanismos que protejam sua integridade física e emocional.

Com a ampliação do acesso à educação básica, houve diversificação do público que passou a frequentar as escolas. Isso vem reforçando a necessidade de desenvolvimento e elaboração de novas práticas educativas e pedagógicas, capazes de estabelecer diálogos entre as culturas juvenis e escolares. Por isso, torna-se imprescindível criar espaços que compreendam e se comprometam com es/os/as jovens e suas culturas, e que es/as/os envolvam e legitimem como partícipes em processos educativos mais democráticos e inclusivos. A educação é um direito de todo cidadão brasileiro e as juventudes têm se posicionado fortemente na luta pelo acesso à educação de qualidade nos últimos anos, quebrando com qualquer concepção de juventude apática e sem interesse. As ocupações das escolas, protagonizadas por jovens de variadas regiões e idades, em 2015 e 2016 são uma ilustração disso. As pautas mais frequentes foram: contra a MP 746/2016 (atual Lei 13.415/2017), que estabelece a reforma do Ensino Médio; contra a PEC 55/2016, que limita os gastos públicos e tem impacto sobretudo no Plano Nacional de Educação; pela realização de processos participativos para que a sociedade pudesse participar da reforma do Ensino Médio; contra o fechamento de escolas; pela melhoria da estrutura nas unidades escolares; pela eleição direta, com participação dos estudantes, para direção das escolas; contra a terceirização de equipamentos educacionais para organizações sociais; pelo passe livre estudantil; pela inclusão das questões de gênero e sexualidade no currículo; pelo reajuste salarial dos professores; contra avaliações externas que servem apenas para ranquear o sistema de ensino; melhoria e regularização da merenda escolar; investigação sobre superfaturamentos e fraudes nas obras e compras de merenda escolar.

As ocupações des/as/os secundaristas, universitáries/as/os – e até mesmo de jovens do ensino fundamental – forçou o poder público a olhar para esses indivíduos e recuar em várias ações. Os meses das ocupações foram meses de terror para o poder público, não sendo raras as ocasiões em que o Estado acessou a força policial contra esses/as jovens que lutavam por uma educação melhor. Os impactos no desenho da educação pública são percebidos até hoje, demonstrando a força desses movimentos. Apesar disso, a PEC do congelamento dos gastos e a Lei da reforma do Ensino Médio foram aprovadas no Governo Temer, ao mesmo passo em que grupos como o Escola sem Partido vêm crescendo em influência e atuação no sistema educacional. Esses retrocessos, antes de serem um desmotivador, mostram que a luta pelo direito à Educação de qualidade tem muito ainda a conquistar. Tais conquistas passam, fundamentalmente, pela construção democrática da Política Educacional, de defesa da educação, pública, laica, de qualidade social, inclusiva e em que as diversidades sejam reconhecidas e valorizadas.

Proposições

  • Revogação imediata da PEC 55/2016 e da Lei 13.415/2017.
  • Fortalecimento das ações afirmativas visando à permanência de estudantes cotistas no ensino superior;
  • Garantia do modelo de educação voltado efetivamente para a formação e o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, como preconiza a Constituição Federal de 1988;
  • Efetivação de princípios da educação previstos na Lei de Diretrizes Básicas e nos Planos Nacionais Curriculares, em relação à interdisciplinaridade e à valorização dos saberes, capacidade e potencialidades dos sujeitos escolares, bem como da sua bagagem cultural;
  • Criação de leis que obriguem o ensino da história e da cultura negra e indígena no ensino superior;
  • Criação de uma ementa nas leis 10639 e 11645 que garanta a destinação de recursos e a formação continuada dos profissionais da educação;
  • Garantia de políticas de atenção a jovens indígenas, levando em consideração as especificidades daqueles/as que vivem no campo;
  • Garantia de políticas de ação afirmativa para a população LGBTIQ+ na Educação Básica e a existência de cotas nas universidades públicas;
  • Garantia de 10% do PIB para a educação;
  • Garantia de processos de valorização de profissionais da educação com remuneração e jornada de trabalho justas;
  • Garantia de mais investimentos em pesquisas de educação em longo prazo;
  • Garantia da intersetorialidade entre as políticas de educação e demais políticas sociais, importantes para a garantia dos direitos sociais.
  • Acesso à informação sobre cursos e universidades.

 

Políticas Sociais para as juventudes: Saúde

Em 2007, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou o documento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens que deu origem em 2010 às Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde, instituídas pelo Ministério da Saúde. Ambos os documentos discutem a questão da vulnerabilidade des/as/os jovens para, em seguida, apresentar o marco legal sobre o qual a política nacional está assentada, composto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); pelas leis orgânicas de saúde, que regulam a atenção à saúde; e pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). As Diretrizes trazem avanços em relação a atenção das políticas de saúde às especificidades juvenis e destacam os principais fenômenos que têm acometido es/as/os jovens e que demandam abordagens específicas por parte desses serviços em articulação com outras áreas de políticas, sendo alguns desses fenômenos: a violência doméstica e violência sexual contra jovens mulheres, cis e trans; a mortalidade de mulheres jovens relacionadas à gravidez, ao parto e ao puerpério, que atinge sobretudo jovens negras, além das mortes por causas externas, com destaque para o suicídio entre jovens indígenas, e para os homicídios entre jovens homens negros das periferias.

No entanto, a oferta dessas políticas ainda é pouco efetiva ou nem chegaram a ser implementadas as diretrizes, não garantindo adequadamente o acesso ao direito à saúde e à melhoria da qualidade de vida dessa população. Dados epidemiológicos indicam que es/as/os jovens são particularmente vulneráveis nas áreas de saúde sexual e reprodutiva, saúde mental e consumo abusivo de drogas, além de serem as vítimas preferenciais de homicídios e acidentes de transporte no Brasil.

Estudo realizado pelo IPEA em 2010, intitulado Juventude e Políticas Sociais no Brasil, aponta que são causas significantes de morbidade entre es/as/os jovens: complicações na gravidez e no parto, infecções de transmissão sexual, lesões e transtornos mentais e psicossociais. No entanto, é preciso ressaltar que entre os diagnósticos mais prevalentes na juventude, existem variações importantes e que devem ser consideradas na participação de cada sexo. Entre as mulheres, por exemplo, a gravidez, o parto e o pós-parto constituem o principal grupo de causa de internações. Já entre os homens, as lesões e outras consequências de causas externas são as primeiras causas de internações.

A aids é outra importante causa de morbimortalidade entre jovens. De acordo com o último Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em 2017, na população jovem a taxa de prevalência da infecção pelo HIV apresenta tendência de aumento. Observa-se um aumento significativo entre jovens do sexo masculino e entre jovens do sexo feminino. Entre 2006 e 2016, a taxa quase triplicou entre meninos de 15 a 19 anos, e quase duplicou entre meninos de 20 a 24 anos. No mesmo período, observa-se uma queda na infecção de mulheres, mas não entre meninas de 15 a 19 anos, entre as quais a taxa teve aumento de mais de 10%. Outras ISTs também são problemas relevantes entre es/as/os jovens, como a sífilis, uretrites e HPV (Human papiloma vírus), por exemplo. Nesse sentido, a difusão de informações, a educação sobre saúde sexual e reprodutiva e a disponibilização de preservativos são instrumentos importantes para a garantia da saúde como direito da juventude.

A condição de saúde da juventude também precisa ser pensada em sua relação às questões raciais, de gênero, étnica, territoriais, entre outras. Nesse sentido, é fundamental destacar a dificuldade de agentes públicos para diferenciar o uso abusivo de drogas e o tráfico, sobretudo para jovens negros, e pensar os efeitos e cuidados específicos para sua saúde em cada uma das situações.

Com relação à juventude LGBTIQ+, há relação direta entre o adoecimento mental e a LGBTfobia. Soma-se a isso a restrição ao acesso à saúde de forma adequada sobretudo pelo desrespeito à identidade de gênero e pela perspectiva hetero e cisnormativa, que desconsidera as experiências de vida dessa população. É importante destacar ainda a condição das jovens mães, que demanda atenção específica para que a maternidade não seja tomada como impeditivo para o desenvolvimento de projetos de estudo e trabalho e para o acesso a serviços e políticas públicas.

As políticas públicas de saúde para a juventude devem considerar que adolescentes e jovens são pessoas em processo de desenvolvimento, demandando uma atenção especial ao conjunto integrado de suas condições e necessidades físicas, emocionais, psicológicas, cognitivas, sociais e culturais que afetam diretamente suas condições de saúde. Nesse sentido, é importante pensar, além das políticas de saúde universais já consolidadas, nas condições peculiares dos variados grupos de usuários e aos modos particulares de vida das juventudes.

Também é importante que essas políticas não reduzam a categoria juventude à adolescência, incluindo jovens de até 29 anos de idade. É preciso ainda, que tanto adolescentes quanto jovens sejam pensados como sujeitos autônomos e conscientes para fazer escolhas, e não apenas como pessoas em fase preparatória para a vida adulta.

Diante do apresentado, a realidade ainda revela pouca efetividade das políticas e o desafio da sua operacionalização se multiplica face à aprovação da PEC 55/2017, que congela os investimentos federais em políticas sociais, por vinte anos. Torna-se urgente revogar tal Emenda e oferecer condições reais aos municípios e estados de efetivarem políticas de saúde eficazes para as juventudes.

Proposições

  • Garantir no SUS a assistência de qualidade para a juventude, atendendo às suas especificidades, bem como àquelas relativas a gênero, raça/cor, etnia, classe social e orientação sexual;
  • Assegurar o atendimento integral a jovens, vítimas ou autores de violência, em especial nos casos de violência sexual e intrafamiliar;
  • Assegurar os direitos sexuais e reprodutivos por meio da atenção integral à saúde sexual e reprodutiva des/as/os jovens, de acordo com as suas especificidades;
  • Fortalecer ações de prevenção de infecção pelas ISTs e pelo vírus HIV entre jovens e garantir no SUS o atendimento a jovens portadores de ISTs e HIV, com testagem, diagnóstico, aconselhamento, tratamento e acompanhamento;
  • Qualificar o atendimento na rede do SUS a jovens em situação de rua, jovens autores de ato infracional e jovens deficientes;
  • Fortalecer ações de prevenção e assistência a agravos relacionados ao uso abusivo de álcool, tabaco e outras drogas, na perspectiva da redução de danos;
  • Garantir ações educativas, diferenciadas e sistemáticas que precedam a escolha e o uso de métodos contraceptivos, garantindo a escolha livre e informada;
  • Garantir a continuidade no fornecimento de insumos contraceptivos para jovens, inclusive a contracepção de emergência, principalmente aos grupos populacionais mais vulneráveis e a jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de internação e em cumprimento de pena;
  • Ampliar o número de ambulatórios e de equipes qualificadas para o atendimento a jovens trans;
  • Garantir a produção de materiais de comunicação em saúde pelos próprios jovens como estratégia legítima de produção pessoal e participação social – das redes sociais às produções técnicas, artísticas e jornalísticas.

 

Políticas sociais para as juventudes: Trabalho e Renda

O trabalho é central para a formação do sujeito e uma experiência primordial da socialização humana. É por meio do trabalho que o ser humano pode criar coisas úteis e que se dá o intercâmbio entre o ser social e a natureza. Nas sociedades capitalistas o trabalho se conformou como a principal forma de sobrevivência e organização da vida, porém tende a ser reduzido a sua dimensão instrumental e esvaziada de sentido. Todavia, o trabalho pode ter múltiplos sentidos e significados para as diferentes pessoas, mas institucionalmente deve ser um direito garantido a todes/as/os.

Diante da centralidade do trabalho para a formação humana, chamamos atenção para a especificidade deste para es/as/os jovens. No Brasil, as primeiras experiências de trabalho acontecem na adolescência. No caso das mulheres, aparece já na infância, a partir do trabalho doméstico. Assim, é necessário considerar o trabalho como parte da condição juvenil, assim como a escola. Para que o trabalho seja formativo para es/as/os jovens, é necessário garantir boas oportunidades e condições adequadas que permitam articular suas atividades com a vida familiar, a escolarização, o lazer e o tempo livre. Ou seja, es/as/os jovens demandam que as políticas públicas os vejam para além da sua simples condição de mão-de-obra.

Entre 2002 e 2014 o Brasil experimentou melhoras significativas no âmbito do trabalho e emprego, embora saibamos o quanto precisamos avançar. Importantes instrumentos para a institucionalização de direitos na articulação trabalho e juventude foram criados, tal como a Agenda Nacional de Trabalho Decente para Juventude (ANTDJ)[2], um compromisso assumido entre o governo e a OIT (Organização Internacional do trabalho) a partir de 2003. A ANTDJ foi desenvolvida a partir do diálogo entre a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o CONJUVE (Conselho Nacional de Juventude), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a OIT, confederações empresariais e centrais sindicais, em torno do trabalho decente para juventude. Além da Agenda foi debatido também o Plano Nacional de Trabalho Decente para Juventude. A Agenda foi aprovada em 2010 e o Plano debatido entre 2013 e 2016. Ambas as ações foram interrompidas diante da mudança de contexto político, especialmente frente à retirada de direitos da classe trabalhadora.

A partir de 2014 o cenário do mundo do trabalho começa a se alterar. Temos acompanhado o aumento do desemprego, a diminuição do trabalho protegido, a perda de direitos trabalhistas, especialmente com a aprovação da Reforma Trabalhista (Lei N 13.467, de 13 de julho de 2017).

Nesse contexto, es/as/os jovens são a parcela mais afetada pelos problemas que atravessam o mundo do trabalho: desemprego, superexploração, precarização, terceirização e informalização das relações salariais. Na faixa etária de 14 a 24 anos, o desemprego passou de 26,5%, em 2016, para 30,4%, em 2017. Tal situação obriga o/a jovem, especialmente de camadas populares, a aceitarem qualquer ocupação, pois o mercado de trabalho protegido não tem lugar para todo mundo. Mesmo com o aumento da escolarização es/os/as jovens não conseguem trabalho, pois outros condicionantes também interferem na sua inserção e permanência no trabalho/emprego tais como gênero, raça, local de moradia e redes de contatos. Sendo assim, é urgente que as políticas públicas para e/o/a jovem trabalhador/a se direcionem para o desenvolvimento de iniciativas que promovam um trabalho emancipado e libertador tendo como base a Agenda Nacional de Trabalho Decente.

No Brasil, a posição de/a/o trabalhador/a permanece desvalorizada e essa questão é especialmente dramática para a juventude, que encontra cada vez mais dificuldade para entrar e/ou se manter em um emprego – que, muitas vezes, sequer paga um salário digno. Nos últimos anos, 94% dos empregos criados com carteira assinada remuneravam em até 1,5 salário mínimo. Tal fato é ilustrativo da continuidade do estatuto rebaixado da força de trabalho no Brasil. No que diz respeito ao aumento real do salário mínimo, apesar de ter elevado significativamente o poder de compra das camadas mais populares, especialmente na última década, é sabido que ainda está muito aquém do valor mínimo necessário para cobrir os custos básicos de uma vida digna em termos de acesso a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene etc., principalmente se considerarmos a enorme concentração de renda existente no país. Por tudo isso, torna-se fundamental incidir sobre os processos de políticas públicas de juventude direcionadas à sua preparação e inserção qualificada no mundo do mundo trabalho, tendo as suas diversidades e especificidades observadas.

Proposições

  • Revogação da Reforma Trabalhista;
  • Garantia do direito ao trabalho para todos/as os/as jovens brasileiros/as, com base na ANTDJ;
  • Oferta de formação técnica e profissional de nível médio adequada às especificidades dos/as jovens trabalhadores/as, especialmente no noturno;
  • Garantia de formação escolar e profissional, bem como de programas de financiamento produtivo e de acesso à terra para jovens moradores/as do campo;
  • Garantia do trabalho protegido (com direitos garantidos pela antiga CLT) com um salário digno, que tenha como referência a pesquisa sobre o salário mínimo necessário desenvolvida mensalmente pelo DIEESE;
  • Estabelecimento de um plano estratégico que obrigue as empresas a cumprirem a legislação quanto a contratarem de jovens aprendizes (artigo 429 da CLT) obedecendo a Lei da Aprendizagem (Lei nº 10.097 de 19 de dezembro de 2000);
  • Construção de políticas públicas voltadas para os/as jovens “sem sem” – sem acesso à escola e ao trabalho – com o objetivo de garantir a inserção em boas condições desses jovens no mercado de trabalho;
  • Erradicação do trabalho infantil;
  • Garantia do acesso à educação infantil e creches a todas as crianças de mães e/ou pais trabalhadoras/es;
  • Garantia do direito à licença maternidade para homens e mulheres;
  • Diminuição da carga horária de trabalho para os/as jovens, que permita conciliar estudo, acesso a atividades culturais e tempo de lazer, também fundamentais ao seu desenvolvimento integral;
  • Promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho, relativamente a cargos/posições e salários;
  • Criação de planos municipais, estaduais e federal para efetivação do acesso de jovens ao primeiro emprego e ao pleno emprego, principalmente para jovens pobres;
  • Incentivo e criação de possibilidade de trabalho baseados nos princípios do cooperativismo e da economia solidária.